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O assunto é a reforma na Língua Portuguesa. Alguns querem que se extingam todos os acentos, outros pensam que virá a reforma para tornar nossa escrita mais fácil. Mas não será dessa vez que veremos mudanças gritantes.

Em primeiro lugar, a reforma não será bem na Língua Portuguesa, mas em sua ortografia, que é só uma convenção de como se deve escrever as palavras. A escrita é só uma parte do idioma; já a língua é um organismo em constante transformação que não precisa de reforma.

Portugal começou a preocupar-se com sua ortografia em 1911, quando lançou seu primeiro formulário ortográfico. O Brasil, em 1943, publicou o seu. Em 1945, Portugal lançou outro, já com a intenção de unificar, só que a proposta não foi bem aceita por aqui porque ela derrubava o trema e os acentos nos ditongos abertos (ex.:idéia, dói), mas mantinha algumas consoantes que ninguém fala (ex.: acção, baptismo). Resultado: cada um ficou com sua ortografia.

Em 1990 recomeçou o esforço para unificar a ortografia da língua portuguesa. Os motivos? Em qualquer lugar do mundo, quando alguém quer escrever em português em um evento internacional, tem de optar por uma das ortografias, a do Brasil ou a de Portugal.

O problema é que às vezes parece que se está dando preferência a uma das partes e nem sempre é essa a impressão que se quer passar. O mercado editorial ganharia, pois livros brasileiros poderiam ser vendidos em Portugal – e vice-versa – sem passar por revisão de ortografia. E, em nome disso, os países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) aceitariam uma norma em que os dois lados cedessem. No Brasil cairiam o trema e os acentos dos ditongos abertos. Em Portugal derrubariam as consoantes mudas. O acordo também prevê mais mudanças, como uma simplificação na hifenização.

Dezessete anos passaram e o acordo está esperando para entrar em vigor. Primeiro, todos os países da CPLP teriam de concordar com o acordo, mas, como alguns não se manifestaram, foi feito um protocolo modificativo que dizia que assim que três países assinassem o acordo ele poderia entrar em vigor. Assinaram o acordo São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e... o Brasil. Então o acordo já poderia ter entrado em vigor.

Uma reforma como essa custaria milhões ao Brasil. Milhões para unificar sua ortografia com dois países cuja população somada não passa dos 650 mil habitantes. Seria um mico de proporções inimagináveis, portanto.

É com Portugal que o Brasil tem de se acertar para unificar sua ortografia: o que o pessoal de além-mar escolher, os países africanos de língua portuguesa escolherão também. Afinal, eles, hoje, usam a ortografia lusa. O governo brasileiro estava caminhando para implantar a nova ortografia em janeiro do ano que vem, quando foi buscar apoio em Portugal obteve como resposta um: "Parece-me bom para daqui a dez anos".

Nas boas intenções de se unificar a ortografia eu acredito, mas é nos resultados prometidos que residem minhas dúvidas. Por isso, sou contra a reforma.

Não é só na ortografia que residem nossas diferenças. Um texto português e um brasileiro continuarão a ser identificáveis. Para ter boa aceitação no mercado lusitano, um livro brasileiro continuaria tendo de passar por revisão, por adaptação. Já no mercado brasileiro, José Saramago foi "best-seller" sem nenhuma adaptação.

Há línguas que têm dois alfabetos. Por que a nossa não pode seguir com duas ortografias? As pessoas se apegam à escrita das coisas, quer ver? Quem gosta de ver o seu nome grafado de maneira incorreta? Ninguém. Por isso não convém essa alteração.

A queda do trema seria trágica, já vi em um telejornal português uma apresentadora dizer "sekestro". Que culpa ela tem? É assim que se escreve lá! Hoje, talvez, não sentiríamos falta do trema. Mas e daqui a 50 anos? Qual seria a referência da pronúncia?

Enfim, essa reforma é como tantas outras: faz muito barulho, poeirão, incomoda muita gente e no fim, daqui a pouco, será preciso se reformar de novo. Pode ser que, então, se conclua que antes todos estavam melhor.

Vinícius Ramon Fontanela é professor do ensino fundamental e médio e especialista em Língua Portuguesa e Literatura.

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