• Carregando...

A Recomendação n.º 13 do Conselho Nacional de Justiça, que autoriza o trabalho de adolescentes a partir de 12 anos nos jogos da Copa 2014 como gandulas, reacendeu a polêmica sobre o trabalho infantil. O tema é historicamente visto pela sociedade como uma "solução" e não como o que de fato é: uma grave violação de direitos humanos.

O Brasil ratificou a Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Assim, o texto da Constituição de 1988 foi alterado e a idade mínima para o trabalho passou a ser 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir dos 14 anos de idade. A proibição diz respeito a qualquer tipo de trabalho, como empregado, voluntário, estagiário ou autônomo, temporário ou permanente. Embora permitido o trabalho dos 16 aos 18 anos, as atividades que podem ser realizadas são limitadas em razão da proteção que a Constituição garante à criança e ao adolescente, por sua condição de pessoa em desenvolvimento. A legislação vigente proíbe o trabalho noturno, em condições de insalubridade, periculosidade e penosidade.

Os riscos e malefícios associados ao trabalho dos gandulas – como agressões, desconforto térmico, pressão psicológica, exigências de perfeição na execução das tarefas, exigência de absoluta neutralidade de comportamento em relação aos times participantes e aos jogadores, risco de serem atingidos por objetos – indicam que os adolescentes ficam vulneráveis, sujeitos a acidentes, abusos e maus tratos. É também o entendimento da CBF que, em 2004, reconhecendo o risco da atividade, recomendou a contratação de gandulas com mais de 18 anos.

Disso se conclui que a Recomenda­ção n.º 13 do CNJ, ao autorizar o trabalho de gandulas a partir de 12 anos, é absolutamente inconstitucional e contraria tratados internacionais firmados pelo Brasil.

Não cabe às crianças ou a seus pais escolherem se elas podem ou devem trabalhar. Não é uma opção: é um direito à proteção do qual não se pode declinar, quaisquer que sejam as circunstâncias ou as atividades. Pertinente citar Mauro Azevedo de Moura, auditor fiscal do trabalho de Porto Alegre: "Como é definido pela OIT, crianças e adolescentes que trabalham fazem parte de uma trágica conjuntura de nosso tempo. Crianças e adolescentes só têm uma oportunidade de crescimento e desenvolvimento. O crescimento físico é rápido e o meio ambiente exerce grande influência sobre um ser bastante vulnerável. O seu desenvolvimento é realizado com conflito, pois deve agir como adulto e não pode fugir da realidade de ser criança ou ser adolescente".

Não devemos fortalecer o senso comum de que para a criança é melhor trabalhar que "roubar ou usar drogas", como se restassem apenas tais opções. Criança e adolescente têm de estar na escola, com acesso à educação de qualidade. As crianças e adolescentes em situação de exploração, em regra geral, são levados ao trabalho por necessidade de sobrevivência. O que ganham, ainda que em quantia ínfima, compõe o orçamento familiar e todas, sem exceção, têm o desempenho escolar comprometido, quando não abandonam a escola. Sem tempo para estudar e sem o direito de brincar, as crianças deixam de ser crianças e tornam-se adultas, embora ainda imaturas para assumir tantas responsabilidades. Não se pode, por princípios legais e éticos, abrir exceções e brechas quando o assunto é trabalho infantil.

Margaret Matos de Carvalho é procuradora regional do trabalho do Ministério Público do Trabalho no Paraná (MPT-PR).

Dê sua opinião

Você concorda com o autor do artigo? Deixe seu comentário e participe do debate.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]