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Primeiramente, é preciso desfazer o equívoco, repetido à exaustão, de que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com 64 anos de vigência (Decreto-lei 5.452, de 1.º de maio de 1943) é cópia da Carta Del Lavoro de Benito Mussolini.

Ninguém tem mais autoridade para discorrer sobre esse assunto e dar interpretação fidedigna do que Arnaldo Süssekind, membro da comissão que elaborou a CLT, ex-ministro do Trabalho e ex-ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Disse o consagrado jurista em entrevista ao Jornal do Brasil de 10 de abril de 1999: "O arcabouço legal reunido por Getúlio Vargas na Consolidação das Leis do Trabalho inspirou-se nas Convenções da OIT, na encíclica Rerum Novarum e nas proposições do 1.º Congresso Brasileiro de Direito Social (São Paulo, 1941). A CLT não é cópia da Carta Del Lavoro, do fascismo italiano, que possui apenas 14 normas sobre Direito do Trabalho, enquanto a CLT tem 922 artigos".

Antes de 1930, as reivindicações dos trabalhadores eram enquadradas como "casos de polícia", porque não havia legislação que amparasse seus direitos. Aos poucos, os assalariados tiveram assegurados a jornada de trabalho diária de 8 horas, férias, pagamentos de horas extras, maior remuneração no trabalho noturno, proteção nos locais insalubres, direito à licença remunerada na maternidade, além de outros amparos que culminaram na decretação da CLT.

O neoliberalismo do governo Fernando Henrique Cardoso tentou em 2002 aprovar lei "sobrepondo à CLT acordos e convenções coletivas entre patrões e empregados", sob o pretexto de promover a flexibilização para preservar empregos com Carteira Profissional assinada.

Algumas alterações legais foram feitas como o "Contrato Temporário" e o "Banco de Horas" para compatibilizar o período de serviço com a sazonalidade da atividade econômica, principalmente na indústria, boa medida desde que seja respeitada a paridade com as "horas extras" cumpridas.

O Brasil saldou todos seus débitos com o FMI, mas é sabido que este organismo, bem assim o Banco Mundial, preconizam o fim da Justiça do Trabalho, cujas tarefas seriam transferidas à Justiça comum e fortalecidas as Comissões de Conciliação Prévia entre empregadores e empregados, para evitar contendas desnecessárias.

Revogar artigos da CLT que respaldam direitos dos assalariados, trocando-os por acordos e convenções coletivas, a serem homologadas entre sindicatos patronais e de trabalhadores (alguns de pouca representatividade), deixarão estes em posição de fragilidade, devido ao enorme desemprego vigente no país, que poderá influir na aceitação de cláusulas excludentes de benefícios.

Vou alinhar alguns tópicos em que os "acordos" poderão sobrepor-se ao manto protetor da CLT: 1 – O direito de férias poderá ser alterado quanto ao período de aquisição (1 ano), ao parcelamento (não inferior a 10 dias), ao acréscimo (um terço), ao gozo das férias (até 12 meses depois do período de aquisição); 2 – O atual prazo de experiência é de 90 dias, e o "acordo" poderá esticá-lo, digamos, a 180 ou 365 dias; 3 – Os amplos direitos consagrados à mulher, em capítulo especial da CLT, poderão tornar-se letra morta; 4 – A conceituação de horário noturno, das 22 horas às 5 horas do dia seguinte, poderá ruir; 5 – O trabalhador recebe em dinheiro, mas poderá mesclar salário com produto; 6 – O pagamento de "horas extras" poderá ser convencionado para o fim do semestre; 7 – O intervalo mínimo de almoço pode ser reduzido de 1 hora para 30 minutos; 8 – A remuneração mínima de 20% a maior no trabalho noturno pode ser reduzida; 9 – O intervalo mínimo entre jornadas de trabalho pode ser encurtado.

Há uma reforma trabalhista "silenciosa" no dizer de Jorge Rachid, secretário da Receita Federal, caso seja derrotado o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à chamada "Emenda 3" da lei que criou a "Super-Receita", que proíbe os auditores fiscais de multar profissionais liberais, prestadores de serviços na condição de pessoas jurídicas, "camuflando relações trabalhistas". Considero benfazejo o debate em torno da questão entre as entidades patronais, a favor da "emenda", e as de trabalhadores, contrárias.

Enfim, qualquer mudança da CLT não deve reduzir benefícios do elo mais frágil da corrente social, os assalariados em geral.

Léo de Almeida Neves é ex-deputado federal, ex-diretor do Banco do Brasil e membro da Academia Paranaense de Letras.

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