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Eventualmente somos chamados a justificar o investimento público no carnaval, como se tivéssemos o dever de, além de tudo o que realizamos para colocar o bloco na rua, compor extensos sambas-enredo de exaltação da cidade. Mas o bloco pré-carnavalesco Garibaldis e Sacis, sozinho, não é o carnaval de Curitiba; o carnaval aqui são as escolas de samba, com suas tradições de sobrevivência a décadas de desprezo e abandono; na prática, elas já responderam por todos nós sobre a vocação carnavalesca.

O carnaval é a expressão do grotesco brasileiro. De origem europeia e renascentista, foi apropriado pelas comunidades urbanas mais carentes do país e agregado às outras tantas manifestações do tecido complexo das culturas populares, transformando-se na principal das nossas festas, ligada à miscigenação propiciada pelos modos de produção da economia no país. O carnaval é fundamentado na expressão do grotesco e foi importado, assim como os negros, os portugueses, os italianos, os judeus, os poloneses, os alemães, os japoneses, os espanhóis, os coreanos, os turcos e todos os formadores das cidades, vindos de outros lados da Terra, de onde trouxeram um calendário em que estava escrita a palavra "carnaval", assim como Natal, comida, futebol, vestuário, olhos azuis e verdes, cabelos claros e muitos outros dados culturais que formam a nação brasileira.

Curitiba, mais recentemente, após a reforma urbana lernista, transformou-se, como vocação urbana do que estava embutido nas reformas, em um lugar de chegada de muitos brasileiros vindos de todas as regiões do país, para viabilização do projeto de metrópole. Com eles vieram as suas múltiplas vocações para o trabalho e para as festas. O Garibaldis e Sacis é uma referência para o encontro de curitibanos e outros brasileiros para realizar o desejo nostálgico de brincar nas ruas com seus maracatus, sambas de roda, cirandas, jongos, cacuriás, fandangos e congadas, folias de reis e os carnavais. O bloco é apenas um dos resultados desta nova ordem cultural de Curitiba.

O poder público, embora tenha tentado por muito tempo, não conseguiu se omitir da responsabilidade de entender este processo, diante de novas demandas, como o uso dos espaços públicos das ruas e praças por manifestações culturais, tomadas pela força do argumento de brincantes que não se satisfazem apenas com as salas de espetáculos e outros locais exclusivos – necessários, porém eternamente insuficientes para a maioria da população.

Reunidos, o grotesco – conforme Mikhail Bakhtin, oriundo de uma Europa medieval em transformação sociopolítica e cultural –; as celebrações negras de uma África violentada pela economia absurda de uma guerra acumulativa de bens; e a América pré-colombiana da devastação pela violência produziram um encontro no Brasil que não nos permite ser iguais a nenhuma outra nação. Curitiba, herdeira desse encontro, não pode imaginar-se ilha. Isso nunca funcionaria; portanto, é a omissão e não o apoio institucional, público e privado, o que devemos condenar.

Por tudo isso, perguntar ao Garibaldis e Sacis, com 15 anos de festas, se a nossa cidade tem vocação para o carnaval e se o poder público deve investir nesta festa gera uma resposta grotesca – portanto, carnavalesca – de um verso de uma ciranda que Lia de Itamaracá nos trouxe recentemente até o Centro Cultural Terreirão, sede do bloco: "Vá tomano conta de sua vida, vizinha".

Rogério Guiraud é membro da diretoria do bloco Garibaldis e Sacis.

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