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Governabilidade não se compra com narrativa

Governo Lula se esconde atrás de desculpas. O problema não é o Congresso, mas a falta de liderança e articulação no próprio Planalto. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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O governo Lula insiste em vender ao país a narrativa de que o problema da governabilidade brasileira está no Congresso, na fragmentação partidária, nos interesses paroquiais de deputados e senadores e no suposto clientelismo que sequestra as rédeas do Orçamento. Bobagem conveniente.

A disfunção está no coração do Planalto, numa máquina governamental emperrada que se gaba de ter maioria, mas não sabe o que fazer com ela. Se há algo podre na engrenagem institucional brasileira, é a incapacidade de quem deveria liderar.

O presidencialismo de coalizão exige articulação, negociação, entrega de cargos e definição clara de prioridades. Mas o que se vê é um governo encastelado em slogans, que confunde palanque com plenário e militância com base parlamentar.

Em vez de costurar apoios, distribui discursos ocos. Em vez de administrar egos, irrita aliados com arrogância improvisada. Enquanto isso, o Congresso faz o que sempre fez: reage aos estímulos que lhe oferecem.

Deputados e senadores não brotam do nada; respondem a pressões locais, trocam apoio por benefícios para suas bases, garantem sobrevivência eleitoral e poder de barganha. O Congresso votou, em 2024, mais de 900 proposições e ampliou o volume de emendas impositivas para 54,3 bilhões de reais, quase 6% de todo o orçamento discricionário federal. É assim que o sistema foi desenhado. Não adianta demonizar a essência pragmática do Legislativo quando quem falha é o maestro.

Querem culpar as emendas impositivas, o fundo eleitoral, a fisiologia e a ambição pessoal de cada parlamentar. Mas Temer navegou em mar revolto com 93% de aprovação de suas proposições; Bolsonaro alcançou 90%, mesmo acuado. Lula, com uma base que formalmente soma 68% da Câmara, amarga 72% de aprovação, índice inferior ao patamar mínimo para garantir reformas estruturais.

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O Executivo não coordena, não define uma coalizão real, não forma maioria substantiva porque se perde em contradições. O resultado é um governo inchado, retoricamente progressista, mas incapaz de fazer o essencial: governar.

Enquanto isso, a máquina gira sozinha: cada deputado cava seu quinhão, cada senador protege seu reduto, cada bancada arranca seu pedaço do orçamento. A fragmentação partidária, que era de 30 legendas em 2017, caiu para 15 hoje, graças às federações — o menor índice em 30 anos —, e ainda assim o Planalto fracassa em unir quem deveria.

O Brasil já provou que pode ser governável, até sob as mesmas regras atuais. Falta quem saiba jogar. Falta quem tenha coragem de liderar sem se esconder atrás de desculpas institucionais.

O resto é barulho para enganar tolos.

Gregório Rabelo, advogado e empresário, é especializado em Direito Constitucional e Legislativo. Atua como assessor jurídico-legislativo na Câmara dos Deputados.

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