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Falta de saneamento é problema principalmente nas áreas urbanas
Marco Legal do Saneamento prevê garantir que 99% da população tenha acesso à água potável e 90% à coleta e tratamento de esgoto até o ano de 2033.| Foto: Arquivo/Gazeta do Povo

Em 14 de dezembro, o presidente eleito Lula da Silva anunciou que “vão acabar as privatizações neste país”. Fica então a pergunta: acabarão os projetos de concessão de saneamento no país?

Essa é uma pergunta muito relevante, pois toda a política pública desenhada no novo Marco do Saneamento (Lei 14.026/2020) teve como objetivo a desestatização da captação, tratamento e distribuição de água potável e coleta, tratamento e destinação final do esgoto produzido pela população, com a finalidade de, até 31 de dezembro de 2033, o país chegar à meta do acesso universal das residências ao saneamento, assim entendido, pela lei, como 99% dos lares com acesso à agua tratada, e pelo menos 90% com acesso à rede separativa de esgoto.

O saneamento só chegará na ponta com vultosos investimentos, eficiência de gestão e segurança jurídica nos contratos, gerando dignidade a todos. Não pode ficar à mercê de arroubos ideológicos.

Esse caminho privatista veio como contraponto ao processo histórico de gestão, investimento e execução pública de projetos de infraestrutura do setor. De acordo com a Constituição, é dever de prestação e detêm o direito de concessão do serviço de saneamento os municípios ou, desde a decisão da ADIN 1842 pelo STF, também as governanças metropolitanas. No entanto, pela falta de recursos desses entes federativos, em regra os estados acabaram por realizar os investimentos na área, notadamente via estatais estaduais, com autorização municipal através de contratos de programa precários.

A União também aportava recursos, principalmente através da Funasa. Mesmo com algumas concessões ocorridas a partir da década de 90, o resultado prático é que apenas 84% dos lares possuem acesso à água (em diversos casos via carros-pipa ou outro acesso que encarece muito o produto) e apenas 55% dos lares tem acesso a coleta de esgoto, sem a necessária preocupação com seu tratamento, de acordo com dados do SNIS 2020.

A diretriz do governo Bolsonaro foi a de desmonte desse sistema de condução do setor pelo poder público, seja com apoio à privatização das empresas estatais estaduais ou com a concessão do serviço por municípios e governanças metropolitanas, estimulando-se a regionalização da prestação dos serviços. O BNDES foi, durante este período, o principal responsável pelo processo de modelagem dessas concessões e privatizações.

Um dos mais impressionantes resultados foi a concessão do saneamento na Região Metropolitana do RJ e cidades aderentes que, entre o prêmio de outorga e os aportes para universalização do serviço, gerou um projeto de mais de 60 bilhões de reais em investimentos, volume que seria impensável de ser desembolsado pelo poder público através de tributos para essa finalidade tão essencial para a saúde do cidadão brasileiro.

Esse sucesso estaria em vias de ser replicado, também através do BNDES, em todos os demais estados do Brasil, mas passou a ser ameaçado diretamente pelo presidente eleito. Destaca-se que, no mesmo evento em que Lula declarou não haver mais espaço para privatizações, anunciou que Aloízio Mercadante será o novo presidente do banco que está fazendo a desestatização do saneamento, naquele que é, sem sombra de dúvida, o maior projeto socioambiental que esse país já teve e, infelizmente, pode vir a ter um fim prematuro em virtude de uma visão política turva e anacrônica.

O saneamento só chegará na ponta com vultosos investimentos, eficiência de gestão e segurança jurídica nos contratos, gerando dignidade a todos. Não pode ficar à mercê de arroubos ideológicos. Esperamos que o anunciado retrocesso não ocorra, porque quem não tem acesso à água e esgoto tratado tem pressa.

Bernardo Santoro é advogado, conselheiro da Fundação da Liberdade Econômica e presidente do Instituto Rio Metrópole.

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