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Existem atividades que a Constituição atribuiu ao Es­­tado, e aos servidores públicos, que não podem so­­frer para­­lisa­­ção, em hipótese alguma, em razão do risco de dano poten­­cial para a sociedade

O direito de greve é um dos mais elementares e fundamentais direitos do trabalhador. Há registros históricos de trabalhadores que se recusaram a trabalhar porque não teriam recebido a paga prometida já no tempo de Ramsés 3.º, no século 7 A.C. Ao longos dos tempos formou-se a noção de que em determinadas situações somente a paralisação do trabalho poderia sensibilizar os empregadores donos do capital em relação a direitos dos empregados. Romances como o Germinal de Zola, ou filmes históricos como A Greve ou o Encouraçado Potemkin de Einsenstein são marcos que bem demonstraram as agruras pelas quais passaram os trabalhadores e o esforço para obter e manter condições dignas de trabalho. A greve é um instrumento legítimo de reivindicação. De reivindicação coletiva organizada e por vezes reprimida pela força, a greve se tornou direito constitucionalmente assegurado no Brasil. Contudo, paralisar o trabalho com o objetivo de obter melhorias ou vantagens na relação de trabalho, ou mesmo manter as já conquistadas não é um direito absoluto, que se pode exercer incondicionalmente.

Para os trabalhadores da iniciativa privada a lei estabelece regras rígidas em relação às atividades ou serviços essenciais. Em relação a estas atividades, o movimento grevista deve manter a continuidade da execução, disciplinando, por exemplo, regime de escala ou rodízio de trabalho. Com relação ao servidor público, embora a Constituição tenha previsto que lhes assiste o direito de greve, a norma exige uma interpretação que contemple outros valores e princípios. Nenhuma regra da Constituição pode ser lida e interpretada isoladamente, como se nenhuma outra existisse. A solução para um caso concreto envolvendo o direito de greve de servidor público demanda interpretação que considere a totalidade da Constituição. Ao lado e com a mesma importância da norma constitucional que prevê o direito de greve do servidor, estão outras normas e princípios, como aquelas que atribuem ao Estado (e ao servidor público – evidente, pois uma das formas de atuação do Estado é por intermédio do servidor!) prestar a segurança pública, a saúde pública, a educação pública entre outras competências públicas, ou o princípio pelo qual os serviços públicos não podem sofrer paralisação (continuidade).

O núcleo da questão é que existem atividades públicas que são tão relevantes e tão indispensáveis que não podem sofrer paralisação, em decorrência do princípio da continuidade do serviço público. Disse o Supremo Tribunal Federal na Reclamação n.º 6.568/SP que, embora a Constituição tenha assegurado o direito de greve ao servidor público, atividades das quais dependam a manutenção da ordem pública e a segurança pública, a administração da Justiça, as carreiras de Estado, cujos membros exercem atividades indelegáveis, inclusive as de exação tributária, a saúde pública e a educação pública não estão inseridos no elenco dos servidores alcançados por esse direito. E disse bem o Supremo Tribunal. Ora, de fato existem atividades que a Constituição atribuiu ao Estado, e aos servidores públicos, que não podem sofrer paralisação, em hipótese alguma, em razão do risco de dano potencial para a sociedade. Evidente que tal afirmação não induz à conclusão no sentido de que pode haver supressão de direitos dos servidores, incluídos remuneração justa e digna e condições adequadas de trabalho. Entretanto, a condição de servidor público implica a busca de outros meios, que não a paralisação por greve, para a obtenção e satisfação de suas reivindicações. O instrumento continua a ser o processo de negociação democrática, assegurado pela Constituição e que deve ser respeitado pelos governantes. Quanto ao meio de pressão, qualquer um vale, desde que não seja ilegal e não implique paralisação ou prejuízo de atividades de Estado.

José Anacleto Abduch Santos, advogado e mestre em Direito Administrativo, é procurador do estado e professor do UniCuritiba.

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