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O cinema internacional deve muitos de seus melhores filmes à família Marx. O irmão caçula, Julius Marx, mais conhecido pelo pseudônimo Groucho, entrou para a história da sétima arte por causa de seu humor ácido e de sua pena afiada. Se é verdade que, segundo Aristóteles, a comédia não é a melhor forma de expressar os sentidos que interessam à catarse, não se deve minimizar a capacidade destruidora de uma simples ironia ou de uma retumbante gargalhada. A piada certa na hora exata pode demolir muralhas de rejeição e antipatias, virando a mesa em favor de uma pessoa ou ideia. De fato, há algo de catártico também numa piada; o ridículo também purga. Por isso, não à toa, todos os regimes ditatoriais do passado (e também as atuais tão perto de nós) ou vigiaram ou aparelharam essa classe política perigosa: o comediante.

Por esse motivo, a análise do espírito cômico pode apontar uma direção que facilite a compreensão da febre que toma o Brasil. E Groucho Marx, como arquétipo, é um dos espíritos interessantes que podem trazer à luz do sol, com o gume afiado das palavras, a grave situação que assola a nossa pátria. Atribui-se ao comediante o seguinte apotegma: “Esses são meus princípios, mas, se não gosta deles, tenho outros”.

E, como esses, há outros textos prenhes de ironia e bom humor. Não se sabe se por razões existenciais ou por estratégia de ofício, a hipocrisia de todos os dias sempre foi tema do caçula Marx. Mesmo que a sentença do comediante americano não tivesse sido forjada para o ambiente tupiniquim, não há dúvida alguma de que a proposição encarna perfeitamente bem o estado atual da vida política brasileira. A máxima do comediante mede com extrema precisão a doença que afeta a nação.

Todos os regimes ditatoriais ou vigiaram ou aparelharam essa classe política perigosa: o comediante

Com efeito, o Estado brasileiro passa por uma crise de princípios sem precedentes. Infelizmente os brasileiros se transformaram em marias-moles, indivíduos sem coluna vertebral. A maioria deles se dobra para cá ou para lá ao sabor de interesses, licitações arranjadas ou cargos comissionados. Quaisquer 30 moedas fazem água em vidas de falsas virtudes suntuosamente propagandeadas. Todos afinam o discurso à plateia, cuidando para não ferir suscetibilidades, obedecendo docilmente à opinião pública. Pessoas que na juventude lutavam por justiça e honestidade hoje abaixam a cabeça para abonar atos de injustiça e desonestidade de pessoas próximas. O que não se tolerava em nome do bem comum agora se defende.

Onde estão os políticos de fibra? Onde estão os indivíduos de princípios? Ainda restam pessoas com valores humanos seguros? Para onde se eleva o olhar só se encontram ambiguidades. Sobre membros do Judiciário, do Legislativo e Executivo paira uma indeterminação genérica: não é raro que o mesmo servidor público contrarie princípios defendidos em outras paragens. O que ontem foi ponto de honra amanhã resta desprezado, em nome da governabilidade, ou sob a pressão de grupos minoritários que promovem o terror. Faltam homens e mulheres de verdade, que não se dobram por qualquer benefício. Tem-se a impressão de que a honestidade é uma ilha, que a justiça é uma ilha, que a honradez é uma ilha, cercada de Grouchos por todos os lados.

Robson de Oliveira é professor de Filosofia da PUC-RJ e diretor do Centro Dom Vital.
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