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Não sou a pessoa mais habilitada a atirar a primeira pedra pois vez por outra salpico as frases e os textos com um "follow-up" ou um "feed-back" mas acredito que mesmo para um simpatizante a nossa submissão aos modismos e à lingua inglesa já estão passando dos limites toleráveis. Os campeonatos esportivos não têm mais "as finais", tem os play-off. Mesmo nos campeonatos de várzea a turma já capricha num "preiófe". A coqueluche agora são os IPO, os "aipiô" que em português correspondem à "Oferta Inicial", a venda ao público pela primeira vez das ações de uma companhia. Mas convenhamos, fica muito mais charmoso fazer aipiô do que executar o pedestre e suplicante ato de "ofertar" alguma coisa.

Diretores-gerais simplesmente desapareceram da vista. Agora são CEO – "ci-i-ô" – de suas empresas, o Chief Executive Officer. Os franceses retinentes continuam a usar a abreviação PDG para President-Directeur Géneral para os seus "ci-i-ôs", mas é apenas uma questão de tempo para se adaptarem. Apesar da beleza da língua francesa, a elite de negócios gaulesa não dispensa um termo em inglês aqui e ali (a velha relação de amor-ódio-admiração-desprezo entre franceses e anglo-saxões): os prédios de escritórios não são bâtiments, são buildíngues, assim mesmo com o i final acentuado para dar o toque local. Os carros não são guardados nas "garages" e sim nos parquíngues. E – já contei isso, aqui mesmo neste espaço – o americaníssimo Woody Allen foi afrancesado para Vudí Além.

Mas, que vá. São os ventos da globalização que estão obrigando o mundo todo a enormes adaptações culturais. Uma das áreas mais interessantes da moderna teoria administrativa estuda as chamadas "competências interculturais" para facilitar o contato produtivo entre pessoas de diferentes culturas e diminuir o número de gafes. Todo mundo sabe que no Japão os cartões de visita são um ítem indispensável da personalidade de alguém. Se esse alguém não tiver um cartão de visitas (agora renomeado entre nós como business card) para trocar cerimoniosamente com seu interlocutor japonês, ele não merecerá o menor respeito, sequer existirá. Mas talvez seja útil sugerir aos empresários que desejam levar lembranças típicas brasileiras (que os japoneses a-do-ram, segundo a crença geral) em suas viagens de negócios para evitar relógios finamente incrustados em pedras ornamentais pois dar relógio significa lembrar o outro de que o tempo está passando e que a morte está um pouquinho mais perto. Árabes andam aos pares de mãos dadas, dedinho mindinho enganchado no mindinho do amigo sem que isso coloque em xeque sua masculinidade. Mas se quiser ofendê-los mesmo, sente-se de pernas cruzadas mostrando a sola de sapato para os interlocutores, ou – estando com a mão direita ocupada com uns papéis ou uma xícara, estenda casualmente a mão esquerda para cumprimentá-lo.

Em um dos manuais sobre a competência intercultural, a esposa de um executivo brasileiro que foi transferido para a Holanda conta suas desventuras quando convidou os chefes e colegas do marido e suas esposas para um jantar, um "get together" no jargão atual. Caprichou ao máximo nas comidase na abundância da mesa para mostrar seu apreço pelos convidados. Com simpatia postou-se à porta de entrada recebendo os casacos, mantôs e capas de chuva, ítens inevitáveis quando se espera um genuíno convidado europeu. Passados alguns dias sem que se materializassem as esperadas manifestações de admiração dos colegas e patrões pela fidalguia do tratamento, o marido discretamente sondou as reações ao regabofe. As piores possíveis. Alguns comentaram o fato altamente negativo de a casa de nossos anfitriões patrícios não terem um cabideiro no vestíbulo para colocar decentemente os casacos; afinal, onde já se viu aquela coisa de ir empilhando os abrigos no braço, misturando os cheiros dos convidados, e depois levá-los (os casacos, não os convidados ) para ser acomodados na cama do casal onde receberiam ainda a contribuição dos feronômios dos donos da casa? E aquela orgia de comida que havia sobrado quase toda e que mostrava bem o grau de desperdício da família? E para que a dona da casa havia se empetecado tanto, demonstrando uma clara intenção de sedução que não havia caído bem com as esposas presentes? Mau começo para nosso executivo expatriado (ou "expat" no jargão da turma globalizada).

Mas o que definitivamente não consigo engulir é o tal do Halloween, contra o qual Eloi Zanetti tem escrito furiosas catilinárias que assino embaixo. Primeiro porque nunca tivemos tradição de celebrar o dia das bruxas. Nem temos bruxas na nossa cultura local. Segundo porque nos países em que o Halloween é celebrado, ele é essencialmente uma brincadeira das crianças que se fantasiam e correm as casas da vizinhança ameaçando: "Trick or treat?" Que você prefere, me dar um doce ou deixar que eu lhe pregue uma peça? Aqui o Halloween virou uma temporada de festas nada infantis em que latagões e as latagonas dançam a noite toda e se perguntam: "doçuras ou travessuras?". Não é preciso ser nenhum gênio para imaginar que as travessuras ganham.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.

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