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Henry Sobel morreu aos 75 anos.
Henry Sobel morreu aos 75 anos.| Foto: Reprodução/Facebook/Federação Israelita SP

Já não se falava muito no rabino Henry Sobel. Aquele que fora uma referência do judaísmo no Brasil e que tinha se destacado em ações de caráter humanitário era muito pouco lembrado. Sobel não vivia mais no Brasil. Isso, certamente, contribuiu para não atrair mais a atenção como antes. Já havia se desligado das suas atividades na Congregação Israelita Paulista, onde exerceu o rabinato por 37 anos. Morava, agora, nos Estados Unidos e tratava da sua saúde como há muito tempo dizia querer fazer.

Infelizmente, na manhã do dia 22 de novembro, numa sexta-feira, como quem termina a sua obra de vida, partiu. Obra que cumpriu com muita beleza e sabedoria. Nos deixou definitivamente. Sofrendo com um câncer, com 75 anos, deixou-nos, uma vez para sempre. Resta-nos a memória de um ser humano único e excepcional.

Henry Sobel, nasceu em Lisboa. Ainda pequeno chegou aos Estados Unidos. Lá viveu sua infância e juventude, onde, também, concluiu seus estudos rabínicos. No ano de 1970 chegou ao Brasil. Era o tempo em que os militares governavam o país. A morte do jornalista judeu Vladmir Herzog, por suas características, causou uma série de protestos populares. Foi quando o rabino, corajosamente, entrou no cenário político brasileiro. Juntamente com o arcebispo de São Paulo, cardeal Paulo Evaristo Arns e o curitibano, reverendo James Wrigth, da Igreja Presbiteriana, conduziram um ato religioso na Catedral da Sé em protesto pela morte de Herzog.

Suas posições políticas eram liberais e justificaram suas ações no diálogo franco com líderes políticos e religiosos

Oito mil pessoas estavam na igreja num ato que foi inédito por duas razões: eram os anos mais duros do governo militar e, pela primeira vez, por um motivo em comum, cristãos e judeus se uniram em favor da democracia e dos direitos humanos. Foi nesse episódio que o rabino marcou sua presença de um líder religioso que ultrapassou os limites da sua congregação, defendendo os direitos humanos e promovendo as relações inter-religiosas no Brasil. É importante que se diga, Sobel não tinha outra ideologia senão aquela da sincera defesa dos direitos humanos, tal como ensinam os textos sagrados e a tradição judaica.

Foi na Catedral da Sé, ao lado de importantes líderes cristãos que o jovem se tornou conhecido da sociedade brasileira não-judaica. Sobel chamava a atenção pelo seu forte sotaque norte-americano – que nunca o perdeu – pela sua kipá (solidéu) vermelha e seus longos cabelos loiros. Ele apresentava uma imagem muito diferente daquela dos rabinos mais conservadores que, muito raramente, apareciam fora do ambiente judaico.

Tal encontro de religiosos não terminou ali. O ato ecumênico na Catedral da Sé marcou o início de um forte e transformador diálogo entre a igreja (católicos e protestantes) e o judaísmo. O rabino tornou-se o representante maior nas relações entre a sinagoga e a igreja. Usando o mesmo termo que Sobel usava para referir-se aos batalhadores pelo diálogo religioso, foi ele o “trator” que puxou o movimento para frente. Sua liderança atraiu e deu credibilidade a um projeto corajoso, o das relações entre diferentes igrejas e religiões. Sobel tinha boas frases para traduzir o esforço para diálogo: “Que haja diferenças, mas que não haja divisões”.

Ele foi incansável enquanto pode, e incentivou as igrejas a colaborarem promovendo em seus meios o diálogo religioso. Nos últimos anos, quando o rabino ainda se esforçava para as boas relações entre as igrejas e o judaísmo, lamentavelmente elas já estavam com outros interesses que não o diálogo religioso.

Na comunidade judaica tornou-se uma liderança forte. Suas palavras, seus livros, seus sermões nos dias de festas e nos sábados, repercutiam positivamente. Foi ele, o rosto da comunidade judaica brasileira. Por 37 anos foi considerado um porta-voz do judaísmo no Brasil apresentando valores éticos e morais da religião judaica em um país predominantemente cristão. A atuação do rabino Sobel no diálogo entre as religiões atravessou fronteiras e ele ganhou fama internacional.

Suas posições políticas eram liberais e justificaram suas ações no diálogo franco com líderes políticos e religiosos, colocando-o em evidência na recente história do nosso país.

Mesmo quando contrariou o pensamento mais conservador de influentes membros da comunidade judaica, nunca perdeu sua postura de homem livre e comprometido com a verdade. Sua condição de rabino numa importante congregação paulista e sua representatividade política e religiosa no cenário brasileiro não o livraram de enfrentar a realidade da sua condição primeira, a de ser humano com qualidades e defeitos conforme revelou em seu último livro Um Homem, Um Rabino, publicado em 2008.

Sua vida, sua dedicação ao judaísmo e aos judeus, seu cuidado com a tradição e ensinamentos da fé, sua tarefa em apresentar o judaísmo aos não judeus, de buscar os direitos das vítimas dos preconceitos, deixam a nós brasileiros, judeus e não judeus, uma recordação eterna.

A morte do rabino Henry Sobel lamentavelmente ocorreu num momento em que crescem no mundo a intolerância, o racismo e o antissemitismo, que ele combatia com inteligência e palavras que desarmavam os intransigentes. Uma de suas melhores frases era: “O judaísmo não prega um mundo mais judaico. Prega um mundo mais humano!”

Que seu nome seja eternamente lembrado pelos homens de boa vontade, assim como foi o rabino de cabelos compridos e da kipá vermelha.

Antonio Carlos C. Coelho é presidente do Instituto Cultural Judaico Brasileiro Bernardo Schulman. Szyja Lorber é presidente da B’nai B’rith Paraná, filiada à BB Brasil e à BB Internacional, a mais antiga organização de Direitos Humanos do mundo.

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