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Há uma percepção latente de que atravessamos uma crise de representatividade, embora tanta gente sustente estar lutando por nós. Em especial, a política partidária se inclui neste cenário de abandono, no qual o ideal democrático sofre a corrosão da descrença.

Para confirmar tal afirmação, basta acompanhar a movimentação dos políticos na formação das alianças eleitorais. Interesses pessoais norteiam acordos entre figurões, restando à própria militância das agremiações o simples papel de claque nas convenções obrigatórias. Para grande parte dos legisladores, sobra o caminho da obediência em votações importantes. Poucos são aqueles que gozam de independência; a maioria vai a reboque dos caciques no jogo de gato e rato entre situação e oposição.

Nossa democracia está combalida, desvirtuada na essência. O tabuleiro político é montado visando projetos de poder, dissociado dos anseios do povo. Aceno de vantagem avulsa à população alijada do processo acontece aos montes, mas o que chega depois de cada pleito é o ônus do descaso.

Antes de pedir voto, candidatos precisam frequentar a escola, conhecer finanças, direito, urbanismo

O contribuinte vem demonstrando insatisfação. No entanto, o clamor das ruas ainda não sensibilizou quem disputa o nosso voto, sobretudo, mas não exclusivamente, na esfera legislativa. Políticos continuam a se articular em benefício próprio, confiando que no dia da eleição, mesmo a contragosto de muitos, continuarão eleitos como sempre.

O que poderia ser feito diante desta degradação acentuada?

Os partidos políticos precisam chamar a responsabilidade pra si, almejar excelência na missão de servir o público. Como detêm o monopólio sobre a oferta de candidatos, então que assumam a obrigação de recrutar bons postulantes com critérios transparentes. Por exemplo, alguém com perfil de administrador provavelmente se aborreça diante de discussões intermináveis das casas legislativas. Por outro lado, um excelente parlamentar pode se anular num cargo executivo que requer ousadia e coragem, entre outras qualidades.

Em relação à propaganda obrigatória em rádio e televisão, os partidos deveriam impor alguma disciplina aos candidatos. Entre elas, exigir metas claras e factíveis, sem extrapolar atribuições do cargo pretendido, extirpando prática corrente de assédio demagógico. Profissionalização é importante. Antes de pedir voto, candidatos precisam frequentar a escola, conhecer finanças, direito, urbanismo, restrições orçamentárias, entre outros temas.

A população deve entender que a semente da esperança só renderá frutos quando submetida à precisão dos números. Utopia fantasiosa pode ser atraente aos ouvidos, mas as contingências da realidade não permitem que se tire os pés do chão. Assim, propostas soltas ao vento devem ser ignoradas, acatando-se somente aquelas detalhadas em termos de custo, prazo, alcance coletivo. O bom planejamento reduz incerteza, não convém contar apenas com a sorte. E não podemos mais aceitar que os partidos políticos atuem como agências de emprego, nomeando apadrinhados em cargos ditos de confiança.

A imprensa teria um papel importante neste ensaio de mudança, descartando práticas frequentes, porém de pouca utilidade, como indagar se o cidadão lembra em quem votou para o Legislativo. Primeiro, porque a cobrança deve recair sobre os eleitos. Segundo, porque nas eleições proporcionais (para vereador e deputado) as vagas são preenchidas por meio de fórmulas matemáticas conhecidas por quociente eleitoral e quociente partidário. Em termos práticos, os votos vão para o partido ou coligação; não saberemos quem se beneficiou do nosso escrutínio.

Seria bom insistir também que ninguém em sã consciência negaria a importância da atividade parlamentar, que por sinal vai além da presença física em plenário. Então, é preciso estabelecer parâmetros mais eficientes de avaliar nossos legisladores, abandonando critérios centrados em projetos, muitos deles redundantes. Acompanhá-los de perto fiscalizando atos do Executivo ou num sábado à noite ouvindo sua base eleitoral parece-me mais fidedigno para o ranqueamento da categoria.

Temos agora, em outubro, na eleição para prefeito e vereadores, oportunidade de iniciar uma guinada favorável na direção de uma política mais representativa.

Florentino Augusto Fagundes é professor de Matemática da PUCPR.
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