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A proposição foi do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), na noite do fatídico 13 de agosto, ao fim do depoimento ao jornalista Alexandre Garcia, na GloboNews: "Momento de perplexidade. Talvez seja o momento do luto, mais do que o momento de luta". Entrevistado e entrevistador igualmente tocados no anfiteatro midiático em que tragédias são geralmente compactadas e raramente desenroladas em toda a sua extensão.

O senador pernambucano, engenheiro e economista, não se deixou limitar pela rígida segmentação contemporânea em que ciências exatas e humanidades colocam-se obrigatoriamente como antípodas. Seu empenho na causa da educação é prova disso; seu abatimento pela morte do candidato Eduardo Campos, o jovem estadista conterrâneo, é indício de que a sensibilidade não é patrimônio exclusivo de artistas e poetas.

Hora de luto não significa que a hora é das carpideiras e rituais fúnebres. Luto não é apenas o vestido negro, o crepe preto na manga, na lapela ou os espelhos encobertos; luto é abrir-se ao sentimento de perda, entregar-se à consternação, acabrunhar-se. Com ou sem lágrimas.

Alguém nos impôs maliciosamente o estigma de festeiros e o aceitamos prazerosamente. Com uma dose maior de temperança, ficaríamos menos vulneráveis às euforias. Escapulimos obsessivamente da dor como se fosse nociva, letal, contagiosa, sem perceber que através dela conseguimos discernir o outro, a alteridade, a solidariedade, o alívio e a esperança.

A compulsiva fuga à dor não se dá unicamente neste nosso rincão exuberante, mas em todos os quadrantes de um mundo empurrado para altas velocidades, obcecado por ponteiros de relógios, velocímetros e, principalmente, medidores de escala, volume, quantidades. Insones ou sonâmbulos, drogados ou excitados, aderimos ao espetáculo. Sem questionamentos.

Na terça-feira lamentava-se a morte do ator norte-americano Robin Williams, o poeta-quixote, ícone de mestres e alunos; na quarta, fustigados por repentina e gélida rajada de vento, flagramos sem cliques nem câmeras, a olho nu, a Parca em plena faina de ceifar vidas. Uma delas, do jovem príncipe que prometia mudar o país.

Os fados são inconstantes, fugazes, abominam rígidos scripts, preferem improvisar. Hora do luto: o frêmito que no ano passado percorreu as ruas e armou uma fascinante disputa tripartite perdeu um dos protagonistas. Gerará outro (certamente outra), mas a perda não pode ser desperdiçada ou desaproveitada.

O sentimento trágico da existência não enfraquece o ânimo; ao contrário, aumenta a resistência, reforça a resiliência. Imperioso importar-se, perceber a fragilidade dos desígnios, a precariedade das vontades, o ar ressequido, o mar encrespado, o efêmero da felicidade e as dores de mundo para as quais ainda não se inventaram analgésicos.

Do luto interior, do encontro com a dor do outro, o momento seguinte virá forçosamente depurado, engrandecido. Depois do luto verdadeiro, a luta virá nobilitada.

Alberto Dines é jornalista.

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