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Cédulas de reais. Imagem ilustrativa.| Foto: Bigstock

Em 13 de maio, o Supremo Tribunal Federal definiu para quem é válida a decisão da chamada “tese do século”, do Recurso Extraordinário 574.706/PR, que decidiu, em 15 de março de 2017, em sede de repercussão geral, que o ICMS não integra a base de cálculo do PIS e da Cofins, por inconstitucionalidade da norma que assim previa.

Para que todos entendam, basicamente, a legislação federal prevê que deve ser incluído no cálculo de PIS e Cofins, tributos incidentes sobre faturamento, o valor do ICMS que as empresas arrecadam pela circulação de seus produtos e alguns serviços específicos, e depois repassam aos estados. Entretanto, por entender que “o contribuinte não fatura tributo”, a maioria do STF decidiu que tal legislação contrariava a Constituição.

Ocorre que, alegando elevado prejuízo que tal decisão poderia gerar nos cofres federais, sem argumentos jurídicos, a União pediu, em embargos de declaração, que o Supremo modulasse os efeitos da decisão, para que ela valesse apenas após a decisão que julgasse este recurso. A modulação de efeitos das decisões do STF é uma medida prevista em lei, que pode ser adotada para definir critérios temporais que limitem os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, sob o fundamento de segurança jurídica ou excepcional interesse social.

Pois bem, na semana passada, depois de mais de três anos de espera, o tribunal constitucional decidiu que serão beneficiados com a declaração de inconstitucionalidade supracitada aqueles contribuintes que propuseram ações judiciais buscando afastar a cobrança e restituir os valores indevidamente pagos a mais até a data do julgamento da inconstitucionalidade (15 de março de 2017) e, só então, valendo a partir desta data para todos.

Assim, todas as empresas que ajuizaram ações antes do julgamento de 2017 poderão receber a restituição dos valores pagos a maior, ao longo da tramitação da ação e dos cinco anos que a antecederam, respeitando-se o prazo prescricional de cobrança contra os entes públicos, além, é claro, de deixar de recolher PIS/Cofins sobre ICMS daqui para frente. Mas quem entrou com a ação visando o afastamento da cobrança na forma reconhecida como inconstitucional depois de março de 2017 só poderá ser restituído pelo que pagou a mais daquela data em diante. Por fim, mesmo quem não entrou com nenhuma ação pode deixar de recolher PIS e Cofins sobre os valores pagos de ICMS daqui para a frente.

Calha destacar que a decisão da semana passada nada dispôs acerca de processos judiciais que tenham transitado em julgado, ou seja, contra os quais não caibam mais recursos, mesmo que tenham sido ajuizados depois da data do julgamento em 2017. A omissão causa insegurança nos operadores do direito, mas, na verdade, isso denota o respeito do Supremo à chamada “coisa julgada”, havendo inúmeros precedentes daquele tribunal no sentido de que as modulações não se aplicam aos processos já transitados em julgado. Com relação aos processos ainda em trâmite, o que o STF fez foi tentar encontrar um meio-termo, não aceitando o pedido da União de que a decisão só valesse dali para a frente, mas também não deixando sem qualquer limitação, como queriam os contribuintes.

Entretanto, com todo o respeito, o Supremo errou, pois não se estava diante de interesse social e segurança jurídica que justificassem a limitação.

Ainda em agosto de 2006, no julgamento de um outro processo que tratava do mesmo tema, mas que valia apenas para as partes, já havia se formado maioria no STF pela inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo de PIS e Cofins, confirmando-se em definitivo a decisão em outubro de 2014. Portanto, desde 2006 a União conhecia o posicionamento dominante do STF contrário à sua tese e, desde 2014, tinha ciência inequívoca de qual seria o desfecho do caso de repercussão geral, ainda que só julgado em 2017.

Logo, desde a formação da maioria, tributaristas passaram a orientar empresas pela inconstitucionalidade da inclusão de ICMS na base de cálculo de PIS/Cofins, prevendo justamente a segurança jurídica diante de um julgamento que estava prestes a se encerrar favoravelmente aos contribuintes, o que aconteceu em 2014. No entanto, a União se recusou a adequar a cobrança ou a contingenciar os valores que deveriam ser restituídos aos contribuintes, mesmo após a decisão do plenário do Supremo, em um processo com repercussão geral reconhecida, contrariando as normas da contabilidade pública.

Assim, se vê que a segurança jurídica, uma das hipóteses de modulação de efeitos, estava ao lado dos contribuintes, uma vez que tinham uma decisão favorável desde 2014, com a maioria do STF já formada em 2006, sendo que se esperava a estabilidade dos julgamentos, que se confirmou em 2017, ou seja, há mais de quatro anos.

Com relação ao interesse social, este também não socorreria à União, pois não só pelo prisma jurídico, mas até por uma questão semântica, este representa o anseio da sociedade e não o estatal. A sociedade deseja ver-se livre de uma tributação inconstitucional que onera ainda mais a elevada carga tributária a que já é submetida. Interessa apenas ao governo federal limitar os efeitos da previsível declaração de inconstitucionalidade.

Se os governantes, atuais e anteriores, abasteceram os cofres públicos com uma cobrança inconstitucional e não realizaram o contingenciamento de receitas, não cabe agora ser imposta qualquer limitação, sob argumentos políticos e consequencialistas, distanciando-se do Direito e do texto da Constituição.

A modulação incentiva a criação de tributos ou cobranças inconstitucionais, em que entes públicos arrecadam quantias elevadas por vários anos e, depois, não sofrem qualquer punição por terem adotado uma conduta contrária à Constituição. Além disso, ela fomenta a litigiosidade no país, uma vez que privilegia apenas aqueles que buscam seus direitos em caros e longos processos judiciais.

Contudo, ainda que não seja ideal, a modulação definida permite a todas as empresas que deixem de recolher PIS/Cofins sobre o ICMS arrecadado, e ainda cobrem a restituição da diferença paga a maior a partir de 15 de março de 2017, garantidos pela palavra final do STF, desde que busquem medidas para cobrar os valores retroativos, porque a União não os devolverá sem resistência.

Pablo Vianna Roland é advogado especialista em Direito Tributário e Direito Processual Civil.

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