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Mês passado abordei na Gazeta do Povo os primórdios do Diário do Paraná, ponto de partida da modernização da imprensa do estado. Agora trago dois "cases" de veículos de fora dos limites empresariais, mas que fizeram história.

Um deles, nascido há 31 anos, quando Belmiro Valverde Jobim Castor, então secretário estadual de Planejamento, criou a revista Referência em Planejamento, no governo Canet. Era um tempo em que se pensava no Paraná, e a revista respondia a essa mentalidade inculcada pelo Sistema Estadual de Planejamento. Não foi uma mera publicação: sintetizou os pensares, a prospecção e o projeto do Paraná.

Marco de momento único, não mais repetido, Referência em Planejamento tornou-se real referência do país quando se tratava de examinar a arquitetura do futuro paranaense. Com sobrevivência garantida pelo apoio do estado, a revista – com a qual colaborei, como diretor – reuniria jornalistas, professores universitários e especialistas em Paraná. Reinaldo Jardim, que vinha da reforma do Jornal do Brasil, fazia a parte visual, auxiliado por Jorge Edil Boamorte. Pela revista passaram Luiz Geraldo Mazza, Teresa Urban, Aramis Millarch, Celso Ferreira do Nascimento, José Benedito Pires Trindade (Benedito Pires), Almir Feijó, Marilu Silveira, Harathon Maravilhas (fotos), Luiz Augusto Juk, Edson Luiz Vieira, João José Werbitzky, dentre outros jornalistas. Os especialistas, que, de cátedra, narravam a grande odisséia paranaense, formavam seleção respeitadíssima: Newton Freire-Maia, Adalice Araújo, Francisco Borja de Magalhães, Maria de Lourdes Montenegro, Rafael Dely, Almir Chagas Vilella, Miguel Wouk, Fernando Antônio Miranda, Cecília Vieira Helm, José Carlos Veiga Lopes, Riad Salamuni, Sylvio Péllico, Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, Wilson DeConto, Sérgio Martenetz etc.

Cito dois momentos da Referência em Planejamento, justificadores do "scripta manet" (escrita permanece): um, a edição sobre os ciclos econômicos do Paraná, "Do Ouro à Soja", Imersão de Benedito Pires na história e no então presente da economia paranaense; o segundo, a edição "Arte Paranaense", o primeiro grande levantamento impresso do tema, por Adalice Araújo, autora hoje do monumental Dicionário de Artes Plásticas do Paraná.

Finda a administração Castor, a revista teve sobrevida por alguns meses mais.

O segundo caso notável de mídia "paralela" aos grandes veículos – nasceu com o médico e ex-secretário da Saúde de Bento Munhoz da Rocha Neto e com Roaldo Amundsen Koehler. Ele deu um novo sopro vital a um jornal semanário fundado em 1955 – Voz do Paraná.

Em 1972, Roaldo assumiu, com a Editora Evopar Ltda., o jornal que os padres claretianos possuíam, fundado como parte da comunicação social da Arquidiocese de Curitiba. Foi vendido para o médico e seus sócios, Euro Brandão (depois ministro da educação e reitor da PUCPR,), João Átila Rocha, Amaury Munhoz da Rocha, Giocondo Vilanova Artigas e Marcos Baggio Filho. Realizava-se a chamada inserção ampla do leigo na vida da Igreja, sob os influxos do Concílio Vaticano II, e a "descoberta" de que "todos somos igreja".

O sucesso da Voz do Paraná deu-se porque atendeu à demanda por informação e opinião então severamente reprimida pela Censura da Polícia Federal. E como lembra Celso Nascimento, o jornal não foi fenômeno paroquial. Ganhou repercussão e espaços nacionais na grande imprensa e nos meios políticos, pela ousadia e pela qualidade editorial. Inseria-se Voz do Paraná num momento histórico de grande aceitação da imprensa alternativa, com o Pasquim e o São Paulo (da Arquidiocese de São Paulo, com dom Paulo Evaristo Arns).

Grandes momentos: a ampla cobertura da queda do governador Haroldo Leon Peres, cuja divulgação fora proibida, e que gerara a apreensão de Veja, que tiranizava o assunto. Voz escapou porque era pequeno jornal. Fora esquecido pela PF; não recebera os bilhetinhos com proibições. Daí a esgotar-se rapidamente. Dos seus então 20 mil exemplares, a tiragem foi dobrada para atender os novos distribuidores que descobriram a acústica do filão.

Voz do Paraná estava, pois, no lugar certo na hora certa, naquela fase do governo militar. Sendo feito por gente absolutamente profissional, como Celso Ferreira do Nascimento (redator-chefe), Maria Luiza Nascimento Mendonça (Maí) e Benedito Pires, que, com Roaldo Koehler e eu, aventuravam-se a enfrentar temas tabus. Um deles, o Judiciário. Neste caso, a orientação era ir a fundo na administração Alceste Ribas de Macedo, com o que, naturalmente, o semanário só foi bem sucedido graças às "gargantas profundas" – os informantes de dentro do TJ. Apuraram-se irregularidades administrativas diversas no tribunal, concluíram os responsáveis pela cassação de Alceste.

Foi retumbante trabalho jornalístico, com muitos contras e também inumeráveis apoios pela linha adotada. Aumentaram os créditos do jornal. Só é lamentável que a eventual justiça tenha ocorrido sob ato de exceção.

O semanário conciliou fidelidade a um catolicismo conservador com imersão no mundo secular. Para o trabalho, que pelo grupo Evopar foi até meados de 1984, colaboraram ainda, em anos diversos, jornalistas como Francisco José de Abreu Duarte, Ruh Bolognese, os publicitários Jubal Dohms e José Roberto Oliva, e os também jornalistas Szyja Ber Lorber, José Alberto Dietrich, Teresa Martins, Lucia de Fátima Nórcio, Walter Schmidt, Antonio Carlos Pereira (diagramação), Dante Mendonça, Luiz Fernando Queiroz, Teresa Urban, entre outros. Havia uma singular composição de comunistas militantes, católicos de diversas frentes, ateus e um judeu, nos quadros da redação. Todos compromissados em aproveitar os poucos espaços de liberdade para fazer jornal.

São dois exemplos, apenas, de mídia impressa que registro sob o signo do "scripta manet". Bem distante das "palavras que voam", como nos ensinaram os romanos.

Aroldo Murá G. Haygert é jornalista, presidente do Instituto Ciência e Fé e professor da Facinter/Uninter.

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