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Amy Coney Barrett foi a escolhida por Donald Trump para ocupar a vaga de Ruth Bader Ginsburg na Suprema Corte dos EUA.
Amy Coney Barrett foi a escolhida por Donald Trump para ocupar a vaga de Ruth Bader Ginsburg na Suprema Corte dos EUA.| Foto: AFP

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, confirmou a indicação da juíza Amy Coney Barrett para a Suprema Corte do país. A notícia recebeu um rótulo que, a meu ver, escancara um enviesamento ultrapassado, injusto e unilateral: “ultraconservadora”. Minha afirmação se apoia na constatação de um desequilíbrio recorrente.

Quantas vezes, amigo leitor, você viu semelhante carimbo na outra ponta do espectro ideológico? Nenhuma, estou certo. Não vejo na imprensa uma gradação análoga para definir os que apoiam causas da esquerda. Todos são chamados genericamente de progressistas, qualificativo que transmite glamour e modernidade.

Vende-se ao leitor não informação, mas uma percepção, cartas marcadas, quase contrabando opinativo. Esta é a verdade. Aí você vai dar uma garimpada e descobre coisas interessantes. Amy Coney Barrett entra no Poder Judiciário pelas mãos de dois democratas. Nomeada pelo presidente Jimmy Carter em 1980 como juíza do Tribunal de Apelações dos Estados Unidos; nomeada por Bill Clinton para o cargo de Associada de Justiça da Suprema Corte e, finalmente, ascendida para a Suprema Corte.

Casada, católica, mãe de sete filhos, dois deles adotados e negros. Sua fotografia familiar atrai e tem pegada. Foi pupila de Antonin Scalia. Defensora da 1ª Emenda da Constituição Americana, aquela que garante às pessoas plena liberdade de expressão.

O rótulo “ultraconservadora” e a má vontade , creio, tem duas razões bem precisas. Primeiro porque o que está em jogo na indicação de Barrett é a possibilidade de a Suprema Corte dos EUA reverter o famoso caso Roe vs Wade, que permitiu a prática do aborto. Isso provoca vertigem nos chamados progressistas.

Depois, e para complicar, Barrett é uma originalista. Ela acredita que a enxuta Constituição dos Estados Unidos basta para resolver os conflitos jurídicos, mesmo tendo sido escrita há 233 anos. Os valores constitucionais, sobretudo o respeito às liberdade individuais e à vida, devem ser defendidos e conservados. Não é o que ocorre aqui na realidade brasileira, na qual ministros progressistas da Corte Suprema, armados de intenso ativismo judicial, atropelam o Congresso e impõem valores que estão na contramão da sociedade.

Creio que chegou a hora da imprensa superar a síndrome dos rótulos e desarmar esta armadilha antijornalística. Trata-se de uma prática que, certamente, acaba arranhando sua credibilidade. Alguns colegas, talvez inconscientemente, não perceberam que o mundo mudou. Insistem, teimosamente, em reduzir a vida à pobreza de quatro qualificativos: direita, esquerda, conservador, progressista.

Tais epítetos, estrategicamente pendurados, têm dupla finalidade: exaltar ou afundar, criar simpatias exemplares ou antipatias gratuitas. É tudo, menos jornalismo. Debatam-se os temas, com clareza e transparência, nas páginas de opinião. Mas não se use o espaço informativo para enviesar a notícia. O leitor não quer ser conduzido. Quer ser informado.

A reportagem é, ou deveria ser, sempre substantiva. O adjetivo é o enfeite da desinformação, o farrapo que tenta cobrir a nudez da falta de apuração. É, frequentemente, uma mentira.

É importante que os repórteres e responsáveis pelas redações tomem consciência desta verdade redonda: a isenção (que não é neutralidade) é o melhor investimento. O leitor quer informação clara, corajosa, completa, bem apurada. E hoje em dia pode buscá-la em muitos espaços do imenso mundo digital. Ficará conosco se soubermos apresentar um produto de qualidade.

É necessário perceber, para o bem o para o mal, que perdemos a hegemonia da informação e da narrativa. Impõe-se um jornalismo menos anti e mais propositivo. Precisamos olhar para as nossas coberturas e questionar-nos se há valor diferencial no que estamos entregando aos nossos consumidores.

Estou convencido de que boa parte da crise que castiga a mídia pode ser explicada pelo isolamento de algumas redações, por sua orgulhosa incapacidade de ouvir suas audiências.

Menos rótulo e mais informação. Pode parecer uma pequena providência. Mas passará aos leitores um recado do equilíbrio cada vez mais demandado.

Carlos Alberto Di Franco é jornalista.

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