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Em artigo publicado na Gazeta do Povo de 14/11/2008, o senador Cristovam Buarque adiantou-se ao Supremo Tribunal Federal (STF) e declarou: a lei que estabelece o piso nacional de R$ 950 para os professores de todo o país é constitucional. Não obstante o esforço hercúleo que o senador Cristovam Buarque tem dedicado ao tema da educação – reconhecido pela simpatia que conquistou de milhões de brasileiros nas últimas eleições presidenciais – sua opinião reflete muito mais a veia de professor universitário do que a de legislador.

O legislador sempre se vê diante de desafios e limites. O desafio que se lhe põe é o desenvolvimento nacional que se inicia inexoravelmente na valorização da educação, em todos os seus níveis. Os limites estão traçados pela Constituição da República, que exige do legislador atenção a preceitos fundamentais, dentre eles a autonomia dos estados federados.

Deve-se lembrar que bem ou mal o Brasil é uma República formada pela união indissolúvel dos estados, municípios e do Distrito Federal. E somente se pode falar em união daqueles que possuem vontade própria, vale dizer na linguagem do constituinte, autonomia política, financeira e administrativa.

Assim, antes de mais nada, há que se ter em mente que são os estados federados que formam a União e em nome dela procuram atender ao interesse público. Sem autonomia inexiste federação propriamente dita, mas apenas e tão-somente submissão administrativa dos entes federados. A autonomia das pessoas políticas – leia-se estados, municípios e Distrito Federal – é assim a matriz da República brasileira e sua importância é medida pelo lugar que lhe foi conferido no texto constitucional denominado cláusula pétrea.

É verdade que no Brasil é comum a União se imiscuir nas funções reservadas aos estados e subtrair-lhes a competência. Por razões históricas que remontam ao Império, o poder central sempre tudo fez e tudo pôde no Brasil. A centralização – prejudicial à idéia de desenvolvimento nacional consagrada como objetivo fundamental na Constituição – sempre foi a regra e a descentralização a exceção. É o que acontece hoje com a arrecadação tributária do país: a União arrecada cerca de 70% da carga tributária, os estados algo em torno de 25% e o troco fica com os municípios. Pior: grande parte da arrecadação dos tributos recebe o carimbo de contribuições em que não há o repasse de quaisquer verbas aos estados e municípios.

O resultado é a dependência e a mendicância dos governadores e prefeitos – majoritariamente endividados, senão quebrados – junto ao governo federal. Aliás é justamente o que o senador Cristovam Buarque sugeriu que a governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius, o faça: reclame verbas ao poder central, ou seja, endivide-se. A União dá com uma mão e retira com a outra.

É sob esta ótica que o Supremo Tribunal Federal deve analisar o piso nacional do magistério. Mais uma vez – mesmo que sob o pretexto de valorizar a educação no país – a União vem se intrometer na competência alheia. A autonomia financeira dos estados demanda justamente que estes definam, dentro de seus orçamentos e considerados os limites mínimos a serem disponibilizados para saúde, educação e segurança, o quanto podem e devem pagar aos seus servidores. Sem tal poder inexiste autonomia, mas submissão.

É claro que qualquer política pública séria passa pela valorização do magistério e mormente pela implantação de um sistema educacional compatível com o anseio de uma sociedade desenvolvida. Por outro lado, não se pode atropelar as regras fundamentais da República e desequilibrar ainda mais a balança para o lado da União, proclamando a falência da autonomia política, financeira e administrativa e a anarquia das contas públicas estaduais, mesmo que com boas intenções.

Vitor Puppi é procurador do estado do Paraná.

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