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Num regime republicano, o administrador público deve gerenciar os dados a que teve acesso no interesse e em benefício da coletividade: as informações não lhe pertencem, mas são do próprio povo e somente podem ser manejadas em favor deste

Toda empresa de porte tem como objetivo desenvolver-se por meio de planos e metas. Estas dependem de escolhas a serem feitas em determinados momentos-chave. Porém tais decisões estratégicas não podem ser divulgadas com antecedência. Muitas vezes nem mesmo os sócios sabem, mas apenas alguns diretores – sob pena de que outras empresas, nos mesmos mercados ou em mercados paralelos, antecipem tais ações e realizem lucro ainda maior. Por isso que, nas empresas privadas, é usual a adoção de sérias restrições ao uso de informações privilegiadas. Estas podem ser compreendidas como o conjunto exclusivo de dados detido por grupo limitado de pessoas, em razão do cargo que ocupam (a função de confiança, que gera o acesso privilegiado às informações). Afinal, esses dados de acesso restrito podem produzir vantagens desproporcionais aos seus detentores – em significativa assimetria em relação a todos os demais operadores daquele mercado (inclusive os sócios da empresa). E sempre haverá terceiros interessados, pois é muito mais barato comprar informações privilegiadas do que as produzir: quem as compra, poupa o dinheiro e os esforços exigidos nas pesquisas.

Por exemplo, os diretores de uma sociedade com ações em bolsa sabem bem mais do que a maioria dos investidores a respeito do futuro da companhia (ou pelo menos devem saber, senão vão para a rua). Isso significa dizer que podem ganhar fortuna vendendo ou comprando ações. O mesmo se diga quanto à projeção futura das estratégias e objetivos a ser atingidos. Devido ao fato de serem detentores de alta carga de informações extraordinárias, essas pessoas não podem delas se valer para obter qualquer vantagem (direta ou indireta). Inclusive, no Brasil é tipificado como crime o uso indevido de informações privilegiadas (Leis 6.385/76 e 6.404/76 c/c Lei 10.303/01).

Dessa forma, para além de não poder usar tais informações em benefício próprio, é vedado aos ocupantes de cargos de confiança divulgá-las para terceiros – seja para amigos ou parentes, seja para empresas que estejam ansiosas por tais dados de difícil ou impossível acesso. Porque estão proibidos de fornecer tais informações, tais executivos muito menos podem firmar contratos blindados com cláusula de confidencialidade: seria expediente muito simples para burlar a proibição. Mas note-se que a vedação não é eterna, mas se submete a prazos razoáveis (seis meses, um ano ou mais).

Se tal cenário é claro na esfera privada, ele deve ser mais incisivo na esfera pública. Afinal, vivemos numa República democrática que conta com um governo fortemente interventor na economia (basta se pensar nos bancos, no petróleo, nos aeroportos e na energia elétrica para se constatar o volume de informações privilegiadas que alguns cargos públicos produzem), em que o dever de lealdade há de ser muito mais intenso. Isso quando menos devido ao fato de que, num regime republicano, o administrador público deve gerenciar os dados a que teve acesso no interesse e em benefício da coletividade: as informações não lhe pertencem, mas são do próprio povo e somente podem ser manejadas em favor deste. Além disso, está-se diante de informações mais-do-que-privilegiadas, que podem instalar o risco da conjugação de fortunas privadas com perdas públicas. O detentor do cargo público simplesmente não pode se apropriar de tais informações (afinal, não lhe pertencem, mas ao povo). Devido a esse fato que o Código de Alta Conduta da Administração federal estabelece o prazo de quatro meses para a "interdição de atividade incompatível com o cargo anteriormente exercido" (art. 15). O prazo é curto, mas deve ser obedecido.

Logo, e muito mais do que os diretores de empresas privadas, o administrador público não pode furtar-se a demonstrar positivamente que não praticou qualquer conduta ou firmou qualquer contrato que porventura tenha contado com informações privilegiadas. Aqui é diferente a proteção à privacidade (empresarial ou pessoal) do ex-gestor público, pois a fronteira da intimidade não é apta a limitar a investigação quanto ao uso (ou não) de informações públicas privilegiadas. Quanto a isso, a confidencialidade dos atos e contratos deve ceder vez ao profilático efeito da luz do dia.

Egon Bockmann Moreira, advogado, é doutor em Direito e professor da Faculdade de Direito da UFPR.

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