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Por que máquinas que “sentem” nos assustam?

(Foto: Alex Knight/Unsplash )

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No episódio recente de Black Mirror, “Hotel Reverie”, uma personagem se apaixona por uma Inteligência Artificiall que simula uma antiga estrela de Hollywood. A paixão é correspondida pela Inteligência Artificial, mas entrega algo inquietante: uma ilusão de afeto. E a cena ecoa uma pergunta urgente: até onde devemos ir ao tentar ensinar máquinas a sentir?

A Inteligência Artificial avança com impressionante velocidade em áreas como atendimento ao cliente, saúde mental e educação. Mas, no coração dessa revolução, pulsa um dilema: pode a empatia ser replicada? Ou, pior, pode ser substituída?

A pergunta que fica não é sobre o quanto a IA pode avançar, mas onde devemos traçar limites éticos. Precisamos lembrar: a Inteligência Artificial é ferramenta, não substituta

Hoje, os sistemas de Inteligência Artificial conseguem mapear e interpretar emoções humanas com uma precisão crescente. Reconhecem padrões em nossa voz, escrita, expressões faciais. Sabem quando estamos irritados, tristes ou felizes – e ajustam suas respostas. Mas isso é reconhecimento, não compreensão.

Com uma empresa que processa mais de 500 milhões de interações por mês, sigo na linha de frente desse debate. Em plataformas de saúde mental, por exemplo, a Inteligência Artificial pode identificar padrões de linguagem associados a ansiedade ou depressão, oferecendo apoio imediato. Esses sistemas salvam vidas, especialmente em cenários onde o acesso a profissionais humanos é escasso. Mas o que oferecem é um suporte técnico, não emocional.

A grande questão não está na capacidade técnica, mas na natureza da interação. Por mais natural que pareça uma resposta de Inteligência Artificial, ela é fruto de probabilidades, não de sentimentos. Não há um coração batendo por trás das palavras. Há linhas de código ajustando probabilidades de resposta.

E é aqui que o alerta soa: quanto mais realista a simulação, mais tendemos a esquecer que se trata apenas disso – uma simulação. Como em Black Mirror, corremos o risco de confundir conveniência com conexão, eficiência com afeto. A Inteligência Artificial pode ser programada para responder com empatia aparente, mas falta-lhe aquilo que chamamos de 'história'. Não há memória de dor, alegria, perdas ou conquistas. É essa bagagem emocional que nos permite não só reconhecer sentimentos, mas compartilhá-los.

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A evolução da IA nos levará cada vez mais perto de uma simulação quase indistinguível de uma interação humana – pelo menos na superfície. Agentes autônomos já conseguem negociar, resolver problemas, personalizar atendimentos em escala. Mas, mesmo quando parecem compreender o que sentimos, o que fazem é interpretar dados, não viver emoções.

A pergunta que fica não é sobre o quanto a IA pode avançar, mas onde devemos traçar limites éticos. Precisamos lembrar: a Inteligência Artificial é ferramenta, não substituta. Em áreas como saúde mental, educação ou cuidado, ela deve ser ponte, nunca fim. E quando as linhas entre o humano e a máquina se tornam turvas, a resposta talvez não esteja em aperfeiçoar algoritmos, mas em valorizar aquilo que não pode ser replicado: a experiência humana.

Memórias verdadeiras. Histórias compartilhadas. A dor e a beleza do erro humano. Por trás de cada gesto empático nosso, há uma vida vivida, algo que nenhum código consegue carregar. E, por mais que avancem os algoritmos, a empatia genuína continuará sendo o que nos separa das máquinas. Ainda.

Douglas Torres, especialista em tecnologia e desenvolvedor autodidata, é CEO da Yup Group.

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