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No início deste mês de agosto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou improcedente pedido de intervenção federal no estado do Paraná. O Judiciário local havia concedido a imissão de posse em área ocupada por movimento social, mas o Executivo se negou a cumpri-la. Daí o pedido de intervenção, que significa a substituição, instantânea, da autoridade competente, a fim de que o interventor faça cumprir a decisão judicial. Para além da discussão quanto à matéria de fundo (se movimentos sociais podem legitimamente ocupar propriedades privadas, em contraste com o direito de propriedade e sua função social), que não será aqui tratada, a decisão do STJ revelou quão delicado – e menosprezado – é o tema da intervenção federal.

O sistema constitucional brasileiro regula a intervenção de forma minuciosa e complexa. A sua racionalidade está em ser um meio de se proteger a própria Constituição. Isto é, existem valores tão importantes para a integridade constitucional que se admite o rompimento institucional da autonomia dos estados. Caso descumpram a Constituição, cabe à União neles intervir. Por exemplo, se houver agressão, por parte dos poderes estaduais, à integridade nacional, à forma republicana, ao regime democrático e aos direitos humanos, pode-se instalar o excepcional regime interventivo.

A União intervirá, portanto, justamente para preservar a ordem constitucional. Daí o artigo 34 da Constituição estabelecer que a União é proibida de intervir nos estados, exceção feita a sete hipóteses, dentre as quais a de "prover a execução de (...) decisões judiciais". Neste caso, a intervenção tem efeitos circunscritos ao ato violador da decisão, mas não se encerra no Judiciário. Os tribunais superiores apenas avaliam se ocorreu alguma das hipóteses interventivas. Caso julguem que sim, devem requisitar a intervenção à Presidência – que decidirá por praticar (ou não) o ato. Isto é, há dois momentos: um, jurídico; outro, com tons políticos. A Constituição dissocia claramente essas fases, reservando a política à Presidência da República.

Mas é de se sublinhar quantos temas importantes a intervenção traz consigo. Quando menos, a separação dos poderes (pode o Executivo decidir quais ordens judiciais cumpre?) e o princípio federativo (a União tem de fazer com que os estados respeitem a Constituição?). Mas, mesmo nesses assuntos, a história recente tem demonstrado que os pedidos não têm recebido tratamento consistente por parte dos tribunais superiores. Isso porque, em novembro de 2012, o mesmo STJ havia deferido a intervenção para cumprimento de ordem de reintegração em área ocupada por movimentos sociais. Depois de registrar que havia mais de dez pedidos dessa ordem, o STJ requisitou a intervenção à Presidência. Nos dias de hoje, contudo, julgou pelo seu indeferimento.

Logo, talvez o problema esteja na falta de critério para prescrição de remédio tão delicado. Afinal, se persistir tal incoerência, a mesma corte que hoje decide pelo indeferimento num caso de imissão de posse pode, amanhã, julgar que não cabe intervenção num de prisão indevida. O que permite a seguinte reflexão: deve o Judiciário criar exceções jurídicas para que o Executivo descumpra ordens do próprio Judiciário? Ou o assunto é político? Mais: essa solução pode ser variável, de acordo com os humores da corte? Ou, indo direto ao ponto: somente devem ser prestigiadas as ordens judiciais que nos agradem?

Egon Bockmann Moreira, advogado e doutor em Direito, é professor da Faculdade de Direito da UFPR.

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