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O modelo educacional vigente e a sociedade atual moldam as instituições e os procedimentos tendo como referência o comportamento presumido e idealizado de cada um de nós. Há um mito educacional de que as crianças e os jovens são, ou deveriam ser, todos extrovertidos. Assim, partindo de tal pressuposto, muitas vezes findamos indevidamente entendendo como estranhos aqueles que se comportam diferentemente do previsto.

Entre os alunos, os líderes são, em geral, os mais falantes e os que tomam a iniciativa e, por consequência, desfrutam da popularidade resultante. Resta aos introvertidos, quase sempre, lidar com suas supostas anomalias e constrangida timidez. Em suma, há uma tendência educacional e empresarial de reforçar como positivas, principalmente, as manifestações mais expansivas, em detrimento de atitudes aparentemente mais tímidas. Susan Cain discorre sobre o tema, sob o título "Poder dos Quietos", em um interessante TED disponível gratuitamente na internet.

Algumas metodologias educacionais enxergam nesse padrão expansivo uma indicação de garantia de sucesso futuro, e assim, implicitamente, reforçam o desconforto dos naturalmente menos expansivos. As tradicionais salas de aula em fileiras cada vez mais dão lugar a círculos, ou assemelhados, onde afloram mais facilmente os talentosos desinibidos. Tal distribuição espacial se reproduz também no mundo dos escritórios, na forma de ambientes abertos de trabalho, sem paredes, pouco importando a não atendida predileção dos mais tímidos pelos cubículos privados (em extinção).

Muitos educadores, incluindo este que escreve, têm apregoado a importância de atividades em equipe, seja na educação ou nos negócios. Corre-se o risco de passar a falsa visão de que criatividade, capacidade de iniciativa ou empreendedorismo decorrem da extroversão. Ledo engano: não é assim que funciona. Não há correlação direta comprovada entre extroversão e criatividade, ou mesmo associação clara com competência ou espírito empreendedor. Os talentos podem estar, e estão, em todo o espectro, dos mais agitados aos mais quietinhos, ou nos múltiplos intervalos entre as pontas.

Não se trata, obviamente, de reprimir os extrovertidos, mas sim de diminuir a excessiva opressão aos que assim não se comportam. Sem o que eles, os introvertidos, podem se transformar em cada vez mais tímidos, e depois em excluídos. E a sociedade, mesmo que inconscientemente, mais uma vez desperdiçaria talentos. Ou seja, a atmosfera de opressão traz prejuízos individuais e, sobretudo, coletivos.

As aparências enganam e cada um de nós, na sua singular complexidade, sabe disso a partir de si mesmo. Por exemplo, mesmo após uma extrovertida e brincalhona palestra, eu não consigo esconder um quê de antissocial, desconforto no grupo ou na multidão e, por vezes, dificuldades no trato pessoa a pessoa. Todos nós somos um pouco assim, uns mais e outros menos, e é bom que continuemos a sê-lo, com naturalidade e sem opressão.

Ronaldo Mota, professor titular aposentado da Universidade Federal de Santa Maria, é reitor da Universidade Estácio de Sá.

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