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Licitação e crise no transporte coletivo

A última greve do transporte coletivo de Curitiba e região metropolitana revelou as consequências de uma licitação mal feita em 2010.

O objetivo das licitações no serviço público é favorecer a disputa de mercado. No caso da licitação de 2010, isso não ocorreu devido à formatação da licitação que impediu a entrada de múltiplos interessados, inviabilizando a concorrência. A lei que regeu o processo foi aprovada na Câmara Municipal de Curitiba em tempo recorde depois de dois anos de inércia por parte do então prefeito Beto Richa, que deixou para Luciano Ducci a responsabilidade de terminar o serviço.

Leia a opinião completa de Lafaiete Neves, doutor em Desenvolvimento Econômico, professor aposentado da UFPR, representante da Plenária Popular de Transporte na Comissão da URBS de Estudos dos Parâmetros Tarifários em 2013 e autor do livro Movimento Popular e Transporte Coletivo de Curitiba.

Após o período de greve no sistema de transporte coletivo, vivenciado na última semana do mês de janeiro, as críticas ao processo licitatório e a defesa de uma invalidação da licitação do transporte coletivo de Curitiba voltaram para a mesa de discussão.

Em que pese os respeitáveis argumentos a favor da invalidação, bem como as justas críticas ao valor exacerbado das tarifas, entendo que o caso não justifica a invalidação da licitação do transporte coletivo.

De fato, é corrente que a administração pública tem o poder e o dever de invalidar os atos administrativos que destoam com a ordem jurídica. Entretanto, no presente caso não se trata de ato discricionário da administração, e não se pode usar critérios subjetivos ou sujeitar o assunto a questões políticas e sociais.

Em outras palavras, conforme posicionamento da melhor doutrina, a invalidação do ato administrativo deve ocorrer somente quando não existe outra forma de se restaurar a ordem jurídica afetada, enfrentando limites como os princípios da segurança jurídica e da boa-fé contratual, princípios esses que devem ser, junto com os demais fundamentos norteadores da administração pública, como, por exemplo, o da legalidade, sempre observados pela administração.

Aliás, é exatamente por respeito aos princípios acima mencionados que não há motivo para se falar em invalidação da licitação, salvo a existência de um processo, no qual se assegure o contraditório e a ampla defesa, e que comprove a existência de um ato administrativo ilegal e absolutamente insanável.

Efetivamente, é preciso ter em mente que a invalidação de um ato administrativo, especialmente de uma licitação que envolve um serviço tão essencial para a coletividade como o transporte público, deve ser aplicada somente em última hipótese.

Até mesmo porque, apesar das críticas quanto ao faturamento das empresas que se sagraram vencedoras no certame, é importante ressaltar que cabe à administração pública respeitar o contrato firmado pelas partes, bem como garantir os direitos fundamentais envoltos em tal contratação, evitando dessa forma sacrifícios injustificáveis de direitos individuais.

Em momentos de crise, como a vivida pela greve no transporte coletivo, agravada por aumento de tarifas que já são custosas ao cidadão comum, deve-se tomar cuidado para não se levantar bandeiras que possam ofender a segurança das relações jurídicas nem afetar interesses fundamentais.

É certo que cabe a todos nós, na qualidade de cidadãos, cobrar a prestação de serviços públicos eficientes e condizentes com a realidade financeira da população, mas essa defesa não pode ser destoante do necessário respeito ao contrato administrativo.

Vale lembrar que as empresas vencedoras da licitação são compostas por uma gama de pessoas jurídicas e físicas que dependem e contam com a execução de um contrato administrativo legalmente assinado pelo poder público e pelas empresas privadas.

Assim como o serviço público deve ser prestado com a qualidade necessária, não se pode deduzir que há alguma irregularidade insanável na licitação apenas pelo fato de as empresas, que têm finalidade lucrativa, auferirem os lucros contratualmente estabelecidos com a administração pública.

Thiago Lemos, advogado, é especialista em Direito Administrativo e em Gestão de Empresas.

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