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De acordo com a USP, a partir da sexta semana fora da sala aula, os estudantes não terão mais como repor as faltas.
De acordo com a USP, a partir da sexta semana fora da sala aula, os estudantes não terão mais como repor as faltas.| Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

No dia 26 de outubro de 2023, pouco depois das 18 horas, recebi num grupo de WhatsApp da USP a seguinte mensagem de uma amiga: “Gente, eles ainda estão deixando entrar. Caso alguém queira pegar algo”. Não entendi nada. Em seguida, outro amigo enviou algumas fotos mostrando a portaria do prédio da Administração da USP e seu interior, já com vários estudantes (supostamente) grevistas e algumas barricadas montadas por eles. Trata-se do prédio onde todos nós, integrantes do grupo, trabalhamos. Meu período de trabalho começa e termina mais cedo, entre 7h30min e 16h30min, e quando deixei o prédio não havia nada indicando a invasão iminente. Não foi a primeira e muito provavelmente não será a última invasão de edifícios da USP.

Em 8 de junho de 2010, o prédio da Administração Central da USP foi invadido por “Cerca de 80 manifestantes, entre servidores, alunos e pessoas estranhas à comunidade acadêmica”. Na ocasião usaram “marretas, machados e picaretas” e “vandalizaram as instalações do edifício”. Em 1º de novembro de 2011, novamente, o mesmo edifício foi invadido por estudantes da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas). “Nas imagens [das câmeras de segurança], os jovens arrombam um portão e depredam as instalações da reitoria. Em seguida, destroem as câmeras [...]”.

O termo “ocupação” - que seus perpetradores gostam de usar no lugar de “invasão” – não passa de um eufemismo que tenta esconder o caráter violento e autoritário de suas ações.

O mesmo prédio da Reitoria (atualmente “Administração Central”) foi invadido novamente em 2013. Foi reintegrado em 12 de novembro de 2013, após 42 dias de invasão. Nessa época eu já trabalhava no prédio. Imagine voltar para sua sala e encontrá-la suja, com armários e gavetas arrombados. Existe uma relação afetiva com nosso espaço de trabalho. Ainda que a maioria das coisas – cadeiras, mesas, computadores, monitores – não seja nossa, mas do contribuinte, temos uma óbvia preocupação em mantê-las operacionais, limpas, organizadas. Ou seja, cuidamos! É nossa responsabilidade! Vários equipamentos foram furtados durante esta invasão, e também alguns bens pessoais meus – ainda que de baixo valor.

Em 16 de junho de 2016 foi o (novo) Prédio da Reitoria e, na sequência, a sala do Conselho Universitário, que foram invadidos por “um grupo de manifestantes, grande parte deles com os rostos cobertos”.  Em 31 de março de 2017 foi a vez do prédio da Prefeitura do Campus da USP em São Carlos ser invadido.

O termo “ocupação” – que seus perpetradores gostam de usar no lugar de “invasão” – não passa de um eufemismo que tenta esconder o caráter violento e autoritário – para não dizer criminoso – de suas ações. Suas reinvindicações podem ser razoáveis ou não, pertinentes ou não. Não discuto isso aqui. Alguns já abordam o tema, e outros o farão em ocasião oportuna. Mas sua forma violenta de negociação – amplamente difundida no movimento estudantil e sindical – traz consequências. E me interessam, em particular, as consequências no planejamento e definição dos espaços públicos da Universidade nos anos que se seguem a tais invasões.

O professor Marco Antonio Zago foi reitor durante os anos de 2014 a 2017. Sua gestão, em termos de espaços universitários e arquitetura, foi marcada pela preocupação em evitar novas invasões. Um projeto importante do qual participei – o Anfiteatro Camargo Guarnieri – teve uma das suas entradas literalmente emparedada e foi todo cercado por gradis não previstos inicialmente. Também o edifício da Reitoria sofreu processo semelhante, com a constituição de um perímetro gradeado. Como arquiteto, acho isso triste. Torna o espaço pobre, a convivência entre os diversos usuários do Campus é reduzida, as opções de projeto se restringem, a qualidade dos espaços é diminuída. Não gosto da solução – mas entendo.

E quanto ao leitor? O que acha disso? Imagine que sua casa foi assaltada uma vez. Depois outra. E novamente no ano seguinte. Então se instala um alarme, troca-se portas e as fechaduras, coloca-se grades nas janelas... Tudo isso na tentativa de proteger a si próprio, a sua família e os seus bens.

No caso de um administrador público, a situação é ainda mais delicada: os edifícios e os equipamentos não são seus, mas é sua responsabilidade preservá-los. Os usuários dos espaços não são seus familiares, mas, mesmo assim, as suas decisões em relação à segurança do Campus impactam positiva ou negativamente na integridade física e psicológica das milhares de pessoas que utilizam a Universidade – que a ocupam dignamente.

A abordagem espacial da gestão atual, do reitor Carlos Gilberto Carlotti Junior, é muito mais interessante. As graves e violentas invasões ocorridas em 2010, 2011 e 2013 pareciam ser coisas do passado. Se a gestão Zago teve uma abordagem defensiva com relação aos espaços arquitetônicos, a gestão Carlotti propõe espaços de convívio externos e internos, com a ideia de que os mesmos devem ser amplamente utilizados por toda a comunidade universitária. Há espaços construídos, projetos concluídos e outros em andamento com base nesse conceito. Na gestão atual, as grades do Anfiteatro Camargo Guarnieri foram removidas, e a portaria selada deve ser reaberta.

Mas se há uma volta à prática de invasão dos movimentos estudantil e sindical da USP, fica difícil defender a construção de espaços mais abertos e inclusivos como os propostos pela gestão Carlotti. O que será que os próximos anos reservam à USP?

Paulo Bernardelli Massabki é arquiteto da USP desde 2001, atualmente na Superintendência do Espaço Físico.

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