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Nunca a informação foi tão acessível quanto agora. Mas ainda continua sendo difícil ver além dos dados. A nossa avaliação é sempre bastante frágil. Quem diria, por exemplo, antes da crise imobiliária nos EUA, que os analistas financeiros estavam mal informados? Pelo contrário, eles estavam munidos, em tempo real, de muitíssimos dados. No entanto, pouquíssimos vislumbraram o que estava por vir. Depois de ocorrer, a pergunta era natural: como é que não vimos isso?

Por que ocorre esse fenômeno? A realidade parece se esconder, parece trapacear. Talvez a dificuldade esteja nessa informação em tempo real. A proximidade com os fatos nos deixa vulneráveis.

Mas não é apenas a falta de distanciamento da informação. Às vezes, nos enganamos por anos, por décadas. Por exemplo, especialmente a partir dos anos 60, veio à tona com grande força a preocupação demográfica. Consolidou-se a leitura unívoca de que o crescimento populacional era um problema a ser combatido. A pobreza e a miséria no mundo estavam de certa forma mais próximas, tornavam-se mais conhecidas. Imagens televisivas dos países extremamente pobres pareciam gritar: o mundo não comporta mais gente, falta alimento, e parecia urgente a necessidade de uma guinada. Acrescentava-se também a consciência ecológica. A presença humana gerava – quase como uma lei física – problemas ambientais. O mundo parecia ser uma casa pequena para tanta gente. Diminuir o número de habitantes, ou ao menos não crescer tão rapidamente, apresentava-se como uma questão de sobrevivência.

Era a cultura de uma época. Duas décadas atrás, não se via assim. No debate sobre a reconstrução da Europa, no pós-guerra, o crescimento da população não era visto como problema; muito pelo contrário. Já, nos anos 60, ao avaliar o desenvolvimento dos países latino-americanos, a demografia estava na ordem do dia. Objetivamente, a Europa em 1945 era mais densamente povoada que a América Latina dos anos 60. No entanto, neste lado do planeta, o número de pessoas era encarado como um problema; lá, não.

Essa visão transcendeu aos anos 60 e nas décadas seguintes, era lugar comum criticar o crescimento populacional. Chegou até agora; até quase agora, para ser exato. No apagar das luzes da década passada, sem grande estardalhaço, passou-se a falar o contrário. Aparecia na mídia a expressão "janela demográfica". Ao contrário de todas as visões anteriores, agora população jovem era um aspecto positivo. Passava a ser considerado um valioso ativo do país. Qual foi a grande mudança? Surgiu uma nova tese acadêmica? Não. Apenas passava a ser evidente demais que os países cuja população ativa, leia-se população jovem, era proporcionalmente maior estavam em crescimento; já os outros, não. Na década de 50 a China tinha o tamanho da Europa. Hoje, o velho continente, limitado na sua capacidade de renovação, está mergulhado numa assombrosa crise. A China, não obstante sua enorme fatura social, é a grande potência do terceiro milênio.

Sociedades envelhecidas não têm capacidade de ousar e de inovar. Que idade tinha Steve Jobs quando se lançou na fascinante aventura da Apple? Bill Gates não era um cinquentão quando concebeu a Microsoft. Os velhos, carregados de experiência e maturidade, são bons gestores. Mas o motor de um país é a ousadia. E o atrevimento não tem cabelos brancos.

O Brasil tem enfrentado a turbulência global graças à sua janela demográfica: uma popula­ção em idade ativa desproporcionalmente gran­de. Quando o mundo mergulhava na dura crise econômica que ainda perdura, o ex-pre­sidente Lula, apoiado em sua aguçada intuição e sentido de oportunidade, conclamou os brasileiros a um forte exercício de consumo. Seu apelo deu certo. O tamanho e a juventude do mercado brasileiro mantiveram a saúde econômica. Ter tomado consciência apenas agora põe-nos noutro problema. Estamos numa corrida contra o tempo. Conseguir enriquecer como país antes de envelhecer. Queremos sucumbir ao inverno demográfico ou estamos dispostos a abrir a janela da renovação? Gente não é problema. É solução.

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Departamento de Comu­nicação do Instituto Internacional de Ciência Sociais IICS (www.iics.edu.br) e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia. E-mail difranco@iics.org.br

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