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Isenção do Imposto de Renda: promessa cumprida, problema mantido

Imposto de Renda Pessoa Física 2021 - IR 2021 - Como declarar Imposto de Renda
A nova isenção até cinco mil não representa uma generosidade do governo, mas apenas a devolução parcial de algo que foi retirado silenciosamente ao longo de quase uma década. (Foto: Fernando Jasper/Gazeta do Povo)

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A promessa do governo de isentar do Imposto de Renda quem recebe até cinco mil reais se tornou realidade após aprovação unânime pela Câmara dos Deputados. Pagar menos imposto, em um país marcado por uma das maiores cargas tributárias do mundo, é sempre positivo e bem-vindo. No entanto, essa mudança, embora traga algum alívio imediato, não resolve o problema central da tributação no Brasil.

A tabela do Imposto de Renda está congelada desde 2015. Isso significa que, ano após ano, milhões de trabalhadores passaram a pagar mais imposto sem que sua renda real tivesse aumentado. O salário apenas acompanhava a inflação, mas, como a tabela não era corrigida, o contribuinte era empurrado para dentro do imposto ou para faixas mais altas. Esse mecanismo é conhecido como “tributação pela inflação”.

A nova isenção até cinco mil não representa uma generosidade do governo, mas apenas a devolução parcial de algo que foi retirado silenciosamente ao longo de quase uma década

Se a tabela tivesse sido corrigida anualmente, hoje a faixa de isenção estaria em torno de R$ 3.351,77, e a alíquota máxima de 27,5% só começaria acima de R$ 8.211,70 (estimativa). Isso mostra que a nova isenção até cinco mil não representa uma generosidade do governo, mas apenas a devolução parcial de algo que foi retirado silenciosamente ao longo de quase uma década.

O problema é que, em vez de cortar gastos públicos e reduzir o tamanho da máquina estatal, o governo compensa a perda de arrecadação criando ou modificando impostos. Foi exatamente isso que aconteceu com a aprovação do PL 1087/25, que agora segue para o Senado e ainda pode sofrer alterações.

Esse projeto estabeleceu a cobrança de 10% sobre lucros e dividendos recebidos por uma mesma pessoa acima de R$ 50 mil por mês. À primeira vista, parece atingir apenas os mais ricos. Mas, na prática, essa tributação tende a gerar reflexos em toda a sociedade. Empresários, diante do aumento de custos, frequentemente repensam seus investimentos, reduzem a abertura de novas vagas e repassam parte da carga nos preços. No fim, há o risco de que o peso recaia justamente sobre o consumidor e o trabalhador comum.

O mesmo projeto também criou um imposto mínimo de 10% para contribuintes com renda anual acima de R$ 1,2 milhão (cerca de R$ 100 mil por mês). Entre R$ 600 mil e R$ 1,2 milhão por ano, a cobrança é progressiva até atingir esse piso. O discurso oficial é o de justiça social, mas, na prática, essa regra tende a desestimular a poupança e o investimento produtivo. A mensagem que passa é que acumular capital e reinvesti-lo na economia deixa de ser cada vez menos vantajoso, o que reduz o crescimento e limita oportunidades para todos.

Essas medidas seguem um padrão já conhecido: o governo anuncia um benefício em uma frente, mas rapidamente cria novas formas de arrecadação em outra. É o velho movimento de “vestir um santo e deixar outro nu”. A narrativa é a de que se está corrigindo distorções, mas o efeito real pode ser o oposto: menos investimento, menos inovação, menos empregos e uma carga tributária que continua sufocando a sociedade.

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O verdadeiro problema não está apenas na tabela do Imposto de Renda, mas na própria estrutura de um Estado inchado que gasta mais do que arrecada, se financia por meio de inflação e novos tributos e, ainda assim, tenta vender à população a ilusão de benefício. Em vez de cortar privilégios, reduzir desperdícios e promover uma reforma administrativa séria, o governo prefere criar mecanismos que aparentam aliviar o contribuinte no curto prazo, mas que transferem a conta para toda a sociedade. Esse ciclo vicioso mantém o país preso a um modelo em que o setor produtivo é sufocado para sustentar uma máquina pública ineficiente e cara.

O ponto central é simples: enquanto a tabela do Imposto de Renda não for atualizada periodicamente, toda nova “isenção” será apenas um paliativo. Daqui a três ou quatro anos, o país pode estar novamente discutindo o mesmo problema, com o governo se apresentando como benfeitor ao corrigir apenas uma parte da distorção que ele próprio criou. A verdadeira justiça tributária está em corrigir a tabela de forma automática, impedindo que a inflação continue sendo usada como instrumento de aumento silencioso da arrecadação. Só assim o contribuinte deixará de pagar imposto sobre um falso ganho de renda que nunca existiu. Enquanto não houver corte de gastos e responsabilidade fiscal, toda promessa de alívio tributário será apenas maquiagem econômica.

Vando dos Santos é mestre em Economia pela Universidad de las Hespérides (Espanha).

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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