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O diretor brasileiro de Itaipu, Enio Verri, diz que Paraguai preferiu radicalizar.
O diretor brasileiro de Itaipu, Enio Verri, diz que Paraguai preferiu radicalizar.| Foto: Juliet Manfrin/Gazeta do Povo

Engana-se redondamente quem imagina que o Brasil pode sapatear sobre o Tratado de Itaipu porque o país vizinho não tem pra quem vender o excedente de energia de sua cota em Itaipu. “Não cutuque a onça com vara curta”, professa um dos mais antigos e populares axiomas utilizados no Brasil.

O Paraguai, um dos maiores exportadores líquidos de energia do mundo (consome apenas 16% da energia elétrica que produz), enfrenta hoje dois problemas que exigem solução imediata. O primeiro, em Yaciretá, a usina hidrelétrica no Rio Paraguai na fronteira com a Argentina. Durante muitos anos, a Argentina compra o excedente da energia que cabe ao Paraguai. Uma parceria que funcionou perfeitamente, até que a Argentina, mergulhada em uma crise sem precedentes, deixou de pagar pela energia comprada. A dívida já ultrapassa os 400 milhões de dólares, dinheiro que faz muita falta ao sofrido Paraguai.

O segundo problema é Itaipu. Terminado o serviço da dívida, enquanto o Paraguai faz planos sobre como utilizar os mais de 1 bilhão de dólares anuais que sobrariam da operação da usina, o Brasil decide, unilateralmente, baixar a tarifa ao preço de custo, decisão que pode esconder a vontade de tornar mais atraente o pacote da Eletrobras, em processo de privatização.

O leão guarani está acuado, mas sabe que tem alternativas, ao contrário do que pensam os sócios argentinos e brasileiros. No caso de Yaciretá, onde o impasse se instalou primeiro, o Paraguai tem todas as contas feitas para abandonar a exportação do excedente de energia. E pior, em um caminho sem retorno, e que deixará a Argentina em grave crise energética. O Paraguai quer transformar o excedente de Yaciretá em hidrogênio verde. Técnicos do país vizinho estimam uma renda anual de 180 milhões de dólares com a comercialização dessa nova fonte de energia produzida em Yaciretá. E adeus venda de energia aos portenhos.

Não é difícil inferir que o mesmo pode ser feito em Itaipu se o Brasil mantiver a soberba contra o velho parceiro, tomando decisões unilaterais, adiando a renovação do Anexo C, prevista para outubro de 2023 no Tratado de Itaipu.

Embora Itaipu represente apenas 8% da oferta de energia no Brasil, sua importância em momentos de escassez ganha relevância e justifica qualquer esforço para manter o tratado nas condições anteriores ao fim do pagamento da dívida, ou seja, com o preço de 22,60 dólares por MW/h e venda do excedente paraguaio para o Brasil. Mesmo porque o impacto dessa medida nas contas de luz dos brasileiros seria de apenas 1,6%, ou R$ 3,20 em uma conta média de R$ 200.

É claro que falta perspicácia do lado brasileiro ao não perceber a fantástica oportunidade que se perde de iniciar um novo ciclo virtuoso para Itaipu, mais relevante ainda do que o verificado nestes primeiros 50 anos do Tratado. Visão que não falta do lado paraguaio que já manifestou sua concordância no que parece óbvio e que o governo brasileiro, com visão míope imaginando que vai onerar os consumidores, precisa observar.

A ideia de criar o Fundo de Investimentos Itaipu, gerido pela própria binacional é simples e genial. A competência de Itaipu de se autogerir, baseada apenas em um acordo, é singular e pode ser aplicada na gestão desse fundo. A ideia é que sejam aportados todos os anos, 2 bilhões de dólares (um bilhão de cada país), disponibilizando um caixa muito robusto para ser investido no desenvolvimento de Brasil e Paraguai, numa primeira fase, e, posteriormente, em todo o entorno de Itaipu, abrangendo amplas áreas do Brasil, Paraguai, Argentina e Chile.

Estudos revelam que um fundo dessa magnitude (US$ 2 bilhões) teria a virtude de atrair fundos internacionais, ávidos por realizar investimentos “equity” (com participação acionária em projetos de desenvolvimento lucrativos) na proporção de quadro vezes o valor do Fundo Itaipu. Isso permitirá um segundo ciclo de Itaipu, ainda mais virtuoso que o primeiro, com grande impacto na região e enormes resultados para o Brasil.

Esses dólares atraídos de fora, somados ao Fundo Itaipu representam um potencial anual de 10 bilhões de dólares para a desenvolver a infraestrutura dessa região, onde estão as maiores e melhores cooperativas do agronegócio de todo o planeta, onde viceja a tecnologia da agroindústria e da produção rural. Região que está fadada ao estrangulamento diante da frágil infraestrutura, pois as rodovias atuais operam além de seu limite, com dificuldade de escoar essa imensa produção, onerando expressivamente o produtor rural.

O Olhar sem Fronteiras tem um rol de projetos para utilizar esses recursos, que depois se multiplicam com o aporte de fundos soberanos e internacionais. O principal desses projetos é a construção de uma rodovia totalmente nova, com três faixas de tráfego em cada sentido, ligando Paranaguá e os Portos de Santa Catarina a Assunção, capital do Paraguai. Sua construção iria desafogar a BR-277 e favorecer o Mato Grosso do Sul, todo o agronegócio do Paraná e do Paraguai, sem falar na Argentina e Chile, servindo também como corredor de integração bioceânico entre o Atlântico e o Pacífico. Sua construção pode ainda contemplar boa parte do leito de uma ferrovia nos trechos onde isso é possível, ficando fácil a implantação futura dos trilhos.

Construída em boa parte com recursos desses fundos, a rodovia pode ser explorada com cobrança de pedágio de forma a retornar o investimento e permitir sua correta manutenção. A outra opção é manter a soberba, tomar decisões ignorando o sócio, e pensar que Itaipu é perene, que vai continuar produzindo resultados fantásticos como fez até aqui, imaginando que a nação parceira não tem alternativa para vender a energia que não consome.

Ademais, na nova matriz energética as hidrelétricas tendem a ser produtoras de energia suplementar, mantendo suas turbinas desligadas em períodos e horários de grande oferta de outras fontes. Se Itaipu não se reinventar, se não adotar política de armazenamento energético (hidrogênio verde) e não avançar na produção própria de outras fontes, como por exemplo, a energia solar com placas flutuantes no lago, pode perder o brilho que sempre ostentou. Enfim, é preciso decidir: soberba ou negociação inteligente visando um amplo programa de desenvolvimento regional com enormes ganhos para o Brasil.

Edson José Ramon é empresário e presidente do Instituto Democracia e Liberdade (IDL).

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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