Prudente e algo preocupada, a presidente Dilma Rousseff antecipou-se à fabricação das teorias conspiratórias e recomendou cuidado ao avaliar boatos de que o avião abatido nos céus da Ucrânia foi confundido com o aparelho que levava o presidente Vladimir Putin de volta a Moscou.
Admitiu, assim, a existência de pelo menos duas hipóteses a respeito da explosão que tirou a vida de 298 pessoas: a primeira, veiculada junto com a notícia, sugeria que o aparelho teria sido abatido pelos separatistas ucranianos pró-Rússia; e a outra, com todas as características de contrainformação, pretende que o míssil visava o chefe de Estado russo, que não é propriamente uma persona grata em certos clubes e ligas internacionais.
Compreensível: o ex-agente da KGB na Alemanha ora é presidente com todos os poderes ou troca de cadeira com Dmitri Medvedev, assumindo o cargo de primeiro-ministro, driblando as posturas eleitorais e atendendo às inclinações da alma russa por príncipes e caudilhos.
Putin tem cara e fama de assassino (ou mandante): vários de seus opositores (inclusive jornalistas de oposição) foram sumariamente liquidados com armas sofisticadas (ingestão/injeção de substâncias radioativas) ou tradicionais (armas automáticas com silenciadores). Pode ser coincidência ou preconceito contra os bravos idealistas que serviram os órgãos de segurança russos antes, durante e depois da revolução bolchevique. Um dado é certo: neste exato momento em que há um incêndio internacional lá estão as impressões digitais de V.P. ou de sua alma mater, a KGB.
Putin é um dos principais atores senão o protagonista da guerra civil síria, do levante militar sunita no Iraque e do conflito ucraniano. Todos com um tremendo potencial irradiador. Aparentemente nada tem a ver com o novo surto de horror israelo-palestino. Nunca se sabe.
Costuma-se dizer que Putin é filho da Guerra Fria e seu assumido continuador. Qualificação incompleta: Putin é fruto e produto do velho império russo feudal, tirânico, impiedoso e agressivo que provocou a Primeira Guerra Mundial há cem anos. Antes mesmo do assassinato dos grão-duques austro-húngaros em junho de 1914, em Sarajevo (pretexto para a eclosão da primeira catástrofe militar do século passado), a Rússia já estava de olho no reino da Sérvia, não pelo que significava em matéria territorial, mas pela facilidade de acesso ao Mediterrâneo.
Nos últimos quatro séculos, a estratégia russa tem um único motor a acionar suas opções militares ou políticas: deixar as águas geladas e os portos fechados pelo gelo durante os seis meses de frio e chegar ao Oriente sem depender da China. Todas as guerras que provocou tiveram idêntico objetivo e mesmo a invasão nazista em 1941, além do apetite pelos seus ricos celeiros, acalentava o prazeroso sonho do banho em águas tépidas.
Putin tem apenas uma justificativa: foi provocado pelos ucranianos, que ingenuamente esqueceram os interesses do poderoso vizinho, tutor e padrasto. Imperdoável num torneio desse porte.
Empurrado para esse exótico acrônimo chamado Brics, o Brasil precisa acostumar-se rapidamente com alguns de seus parceiros. São profissionais. Invenção marqueteira de um economista engenhoso do banco Goldman Sachs, especializado em investimentos, o clube foi engendrado em 2001, antes do 11 de Setembro. Era apenas um balcão para novos negócios.
No ramo da geopolítica joga-se pesado. Há muito tempo.
Alberto Dines é jornalista.
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