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Por qual razão deveria a sociedade brasileira abdicar da necessidade de formação específica para uma determinada profissão? Ainda mais uma profissão importante para toda a sociedade como é o ofício de jornalista? Vivemos numa era na qual somos bombardeados diariamente por centenas de informações midiáticas – seja jornalismo ou publicidade. Informes publicitários com cara de notícia, artigos escritos em forma de opinião, os quais vendem verdades absolutas.

O jornalismo praticado hoje em dia, mais do que uma formação específica, precisa retomar suas origens de atividade meio para melhorar a sociedade. Buscar a responsabilidade social que parece ter deixado de ser importante diante da invasão dos textos de entretenimento que permeiam nossos veículos em espaços que deveriam ser utilizados mais para informar e esclarecer, antes de entreter.

O diploma para o exercício do jornalismo é uma das garantias de que a atividade seja feita com qualidade, ética e a defesa do interesse coletivo. O jornalismo como atividade empresarial que tem como finalidade apenas o lucro deveria ser extinto. Mais do que dinheiro, o jornalismo é uma atividade que demanda defender os interesses da coletividade. Isso, no entanto, quando bem feito, preservando sua responsabilidade técnica, aliado às posições éticas, é fundamental para o desenvolvimento da sociedade e garantia de espaço para fazê-la tomar consciência das questões que a envolvem.

O que se está discutindo por meio do Recurso Extraordinário 511.961 é a obrigatoriedade do diploma para o exercício profissional. Um dos argumentos é que essa exigência atrapalha a liberdade de expressão, garantida pela Constituição de 1988, por meio de seu artigo 5.°, IX; e a liberdade de manifestação do pensamento (art. 5.°, IV); assim como a liberdade de informação (art. 220, parágrafo 1.°). Ora, vamos devagar com o andor: como é possível uma falácia dessa magnitude, pois o diploma não fere a liberdade alguma. Muito pelo contrário. A regulamentação é a exigência de qualificação para o exercício da profissão.

Todos os brasileiros têm essas liberdades. Se pararmos de exigir o diploma para jornalistas será que vamos ter mais espaço para todos os brasileiros se manifestarem nos jornais, nas rádios e nas TVs? Ou ainda em sítios da internet? Os empresários da área ficarão tão felizes em deixar qualquer um trabalhar para eles e ocupar os espaços que comercializam para tornar a atividade lucrativa?

É claro que não. Aqui, nessa falsa polêmica, o que se está fazendo é confundir a opinião pública para que ela considere que os jornalistas apenas opinam. Alguns opinam. Mas a grande maioria é obrigada a fazer do seu ofício uma ação cotidiana de ouvir o contraditório. Se há numa questão dois lados envolvidos, um jornalista tem por dever (é sua responsabilidade) levar ao seu texto, áudio ou imagem e som televisivos, os lados da questão. E é isso o que os jornalistas aprendem, como um dos princípios básicos da ética jornalística, nas escolas de jornalismo. Produzir notícia, reportagem ou qualquer outro conteúdo jornalístico exige técnica, checagem, compromisso ético com a informação. Não é porque escrevo num novo suporte como a internet (em sítios ou blogues) que dispenso o essencial no jornalismo. Novas mídias não dispensam velhas, mas necessárias, regras jornalísticas.

A obrigatoriedade do diploma não impede ninguém de opinar. A formação é o que garante haver minimamente profissionais preparados para fazer esse papel de mediação e tentar fazer valer o interesse público. Paralelamente à luta pela manutenção da obrigatoriedade do diploma, a Federação Nacional dos Jornalistas e seus 31 sindicatos filiados lutam pela melhoria dos cursos de Jornalismo. Assim como a OAB luta pela melhoria dos cursos de Direito.

É por isso, por conta dessa perspectiva, que a pesquisa realizada em setembro passado pelo Instituto Sensus, a qual ouviu mais de 2 mil pessoas no Brasil todo, registrou 74,8% da população favorável à criação de um Conselho Federal de Jornalistas (CFJ). Esse conselho não serviria para cercear a liberdade de expressão. Serviria para retirar do mercado da comunicação patrões picaretas (que se identificam como empresários da área, mas costumam ter suas atividades calcadas no achaque, na exploração de profissionais sem respeitar as características da atividade) que mal remuneram os jornalistas profissionais com míseros trocados e desrespeitam a CLT.

Essa mesma pesquisa apontou ainda 74,3% dos brasileiros são favoráveis à obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista. Se a maioria das profissões exige a formação superior, por qual motivo seria diferente com os jornalistas?

Talvez a resposta a essa pergunta esteja na esteira do interesse do fim da exigência. Um golpe à organização dos profissionais. Maior liberdade para que os empresários possam levar para suas redações os mais afinados com a linha editorial do veículo. Na minha opinião, no entanto, o que deveríamos estar discutindo é a qualidade do jornalismo praticado no Brasil. Isso sim, um tema que interessa a toda a sociedade.

Márcio Rodrigues é jornalista, professor de jornalismo e dirigente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná.

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