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Imparcialidade e objetividade norteiam o jornalismo no critério da credibilidade. Pelo menos desde o fim do século 19, por influência do positivismo, a ideia de isenção caminha junto à noção de imprensa livre, independente e qualificada. Não é à toa que expressões como "imprensa marrom" e "a mídia manipula a massa" enchem a boca de quem quer identificar situações em que a informação é manipulada de alguma forma. O que pouco se discute é a postura dos jornalistas diante desse cenário.

A Teoria Organizacional, proposta por Warren Breed em 1955, afirma que há um sistema de recompensa versus punição que influencia a rotina das redações. O repórter conhece os interesses do veículo, as relações comerciais e políticas e, em casos bastante reais, a qual partido político o patrão é filiado. São poucos os jornalistas que se arriscam a recusar algum tipo de "pauta recomendada", como se refere o jargão jornalístico.

No Paraná, depois da pesquisa Controle editorial nas redações: estudo sobre a percepção dos jornalistas de TV de Curitiba, que realizamos junto à UFPR, há um panorama concreto do que acontece por trás das câmeras. O retrato, construído de forma estatística com base na resposta de 277 jornalistas, sendo 70 de televisão, revela que 88,6% dos jornalistas percebem, em alguma medida, a interferência editorial originada de critérios não jornalísticos (interesses comerciais, por exemplo) e a maior parte (74,3%) já fez alguma pauta a pedido da direção da empresa. Apenas 1,4% se recusou a obedecer a ordem.

O jornalismo nasceu para informar e, por consequência, formar opinião. Admite-se a dificuldade em praticá-lo de forma totalmente objetiva, pois um texto, um retrato, a escolha das palavras e a ordem em que são apresentadas formam, sempre, um recorte subjetivo. Contudo, a ausência de objetividade não nega a idoneidade. Já o que temos presenciado é o uso de concessões públicas a favor do benefício privado.

A pesquisa em questão revela algo nunca antes escancarado: que o político que controla um canal não precisa se dar ao trabalho de ditar as regras, uma vez que os profissionais se adiantam, internalizam a linha editorial e antecipam a censura via autocensura, prevendo retaliações. Ao menos 70% deixaram de publicar determinado assunto prevendo o corte. Como profetitizava Breed, a cultura organizacional das empresas jornalísticas tende a se sobrepor à ética da profissão.

Parte dos profissionais está conformada por falta de opção e, sobretudo, representatividade: 58% não se sentem protegidos pelos órgãos de classe; 55,7% não concordam com as pressões, mas mesmo assim administram o impasse "com cautela", sendo que 8,5% obedecem a esse tipo de ordem para manter o emprego. Um total de 40% diz que os amigos cedem à pressão "quase sempre". As relações de poder da imprensa tendem a ser absorvidas como um processo natural por 40%; já 27% as consideram naturais, porém prejudiciais à atividade; e 34,2% entendem que as pressões ferem o direito do cidadão sempre.

O contrato social do jornalismo está fragilizado. Uma pesquisa como esta pode não mudar, de imediato, o cenário, mas expõe com números e evidências a realidade e provoca, com pretensão, um debate rumo ao resgate da essência.

Ester Athanásio, jornalista formada pela UFPR, desenvolveu a pesquisa Controle editorial nas redações – estudo sobre a percepção dos jornalistas de TV de Curitiba, em 2013. Este texto integra série especial de artigos sobre os 50 anos do curso de Jornalismo da UFPR.

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