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Costuma-se dizer que, nas modernas democracias, os meios de comunicação se constituem num quarto poder. Tem-se a impressão de que um dos pesos e contrapesos para o bom desempenho das democracias é o livre acesso às informações, bem como o irrestrito acesso à verdade. E essa impressão se justifica a partir da frase, atribuída a Francis Bacon, de que um dos modos de o poder se constituir é pela ciência. Pelo conhecimento, o homem torna-se senhor dos fatos, não seu refém: conhecimento é poder, diz o adágio. E os meios de comunicação fazem do conhecimento a matéria prima do seu dia a dia: conhecem detalhes de contratos, conhecem os bastidores dos poderes, conhecem segredos pessoais. Essa relação entre os poderes constitucionais e os meios de comunicação é tão rica que já foi explorada no cinema e na literatura.

Diversas são as obras de ficção que se detiveram na capacidade que as grandes mídias possuem de usar seus conhecimentos para manipular a opinião pública. No cinema o assunto foi abordado brilhantemente pelo já clássico O Quarto Poder (Mad City,1997, Costa-Gavras), com atuações magníficas de Dustin Hoffman e John Travolta. Especialmente ilustradora é a abordagem de Mera Coincidência (Wag the Dog,1997, Barry Levinson), com Robert De Niro e Dustin Hoffman, onde a manipulação dos meios de comunicação torna-se decisiva na eleição para a presidência dos EUA. Não apenas no cinema, o assunto ganhou espaço.

Um dos pesos e contrapesos para o bom desempenho das democracias é o livre acesso às informações

A literatura não deixou de abordar esse tema. A famosa distopia Jogos Vorazes (The Hunger Games, 2008, Suzanne Collins) deu uma visão bastante interessante do tema, ao descrever a tensão política entre os grupos rivais, sendo assessorados decisivamente por profissionais de comunicações, de ambos os lados. Antes ainda, um clássico da literatura mundial já tinha tratado do papel dos meios de comunicação na manutenção e na defesa dos poderes políticos constituídos. Em Revolução dos Bichos (Animal Farm,1945, George Orwell), o personagem Garganta tem a importante função de manejar as informações que interessam aos governantes, seja para ocultar notícias ruins, seja para maquiar o que não pode ser mais oculto. Por causa de suas maquinações de Garganta, inimigos dos animais são apresentados como amigos e mártires da defesa dos animais são transformados em traidores contumazes.

Desde a auditoria realizada no Senac, em 2016, que revelou uma lista de jornalistas da Globo News contratados para dar palestras com valores altíssimos, uma sombra paira sobre a relação entre a grande mídia e as instituições e organizações, ligadas direta ou indiretamente ao governo. O recente encontro de um repórter da Globo e um Procurador-Geral de Justiça do Rio, flagrados conversando num restaurante do Rio enquanto dados protegidos por lei são relevados na imprensa, relembra a todos que os meios de comunicação têm raízes fortemente cravadas no poder estabelecido.

Leia também: Imprensa, autocrítica urgente e propositiva (artigo de Carlos Alberto Di Franco, publicado em 16 de dezembro de 2018)

Leia também: A “nova era” e os sete dias que chacoalharam a grande mídia (artigo de Bruno Dornelles, publicado em 7 de dezembro de 2018)

Se a Lava Jato já comprovou a necessidade de se investigar as ligações corruptas entre o executivo e o legislativo, prendendo deputados e senadores, presidentes e ministros do alto escalão dos recentes governos brasileiros. Se as evidências apontam para a necessidade urgente de um Lava Togas, a fim de determinar se a deterioração da coisa pública chegou ao judiciário. Igualmente é urgente um Lava Redação, para entender até onde as raízes da corrupção chegaram nos meios de comunicação, nas agências reguladores das mídias e nos profissionais de mídia. Se os poderes da República estão brocados pela corrupção, por qual razão o quarto poder restaria livre de estar igualmente manchado e a serviço da ideologia do momento?

Robson de Oliveira, professor de filosofia da PUC-RJ, é diretor do Ctsmart.
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