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Desde o início do outono, sempre que tenho um tempinho, vou procurar a receita de bolinho de milho da minha bisavó. Tenho uma receita superprática para o dia a dia, mas não chega nem perto da versão dela, que guardo na lembrança. O meu é preparado da forma tradicional e frito, como sempre deveria ser, em frigideira de ferro. Já fiz tantas vezes que nem preciso mais ler a receita, e talvez seja por isso que nunca encontrei a da minha bisa. É bem provável que ela nem existisse.

Mas continuo procurando porque o inverno me dá vontade de comer aqueles disquinhos dourados brilhantes que Mãe Ollie fazia no fogão mesmo, despejando uma colherada da massa fina, tipo panqueca, numa poça rasa de óleo aquecida em sua frigideira de ferro. Eles se espalhavam na gordura, cada vez mais finos, até formarem meio que uma renda nas bordas. Um bolinho de milho perfeito fica dourado no meio, macio e fofinho, com as extremidades crocantes, quase marrons. Quando está assim, é hora de virar e fritar o outro lado.

Eu me lembro perfeitamente da técnica de cozimento; é a receita da massa que me fugiu completamente. Encontrei a do mingau (“bom para os convalescentes”, está anotado no rodapé) e a do pãozinho de leitelho, com a letra da minha avó, além de duas cópias diferentes do bolo de libra de cream cheese inventado pela sra. Tommie, a melhor amiga dela – mas, na caixa de que herdei da minha mãe, nem sinal da receita de bolinho de milho.

Para mim é sempre doloroso e reconfortante abrir a caixa de receitas de minha mãe em uma tarde chuvosa de domingo

Sim, é claro que eu sei que a internet está cheia de tudo quanto é versão possível e imaginável da guloseima. Basta digitar “bolinho de milho rendado” no Google que pelo menos duas dúzias surgirão na hora, embora nenhuma tenha uma aparência certa nas fotos. Algumas pedem uma mistura de fubá e farinha de trigo; outras, farinha de milho com fermento; tem as que exigem leitelho e as que se viram com água mesmo. A variedade de opções é surpreendente para uma iguaria que não leva mais de quatro ingredientes, e digo para mim mesma que não tenho tempo de testar todas.

A verdade é que prefiro não usar a receita de um estranho; quero uma que seja da família. É Dia de Ação de Graças, quando tenho mais saudades dos idosos queridos que já não estão mais aqui. Busco um sabor muito particular, aquela mistura de milho, sal e manteiga que me levará imediatamente à casa no interior do Baixo Alabama, onde a minha família viveu gerações sem conta. Quero minha cozinha impregnada dos mesmos aromas que aquela, tão antiga, exalava quando estava cheia.

Pode ser que a receita que procuro ainda apareça. Quando viva, minha mãe criou taxonomias as mais inescrutáveis, de todos os tipos, e os cartões na caixa que herdei não são exceção; só porque a receita de bolinho de milho não está na seção de pães, não significa que não esteja em outro lugar qualquer. Sem contar que há centenas de cartões que nem na caixa estão, porque ela os tirava para jamais repor.

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Nos últimos anos de vida, ela passou a jantar na minha casa toda noite. Seu fogão fora desligado por questões de segurança, e não havia motivo para passar horas procurando receitas de pratos que jamais haveria de preparar. Mesmo assim, deixou pequenas pilhas de cartões espalhadas pela casa toda – na estante, no chão ao lado da cama, nas mesinhas de canto de todos os cômodos. Reuni todos nos dias que se seguiram à sua morte repentina, colocando-os em várias caixas e cestas. Seis anos depois, ainda não tenho coragem de organizá-los.

Quando eu era pequena, minha mãe nos servia uma refeição quente toda noite, mas nunca foi lá uma cozinheira muito entusiasmada – desconheço alguém que tenha recebido a invenção do Hamburger Helper com mais gratidão que ela. Não sei por que cargas d’água, décadas depois, ela começou a mexer nos cartões. Talvez também estivesse procurando uma receita especial, torcendo para me convencer a preparar um prato de que se lembrara, mas não tinha ideia de como fazer; quem sabe se quisesse apenas relembrar seus mortos queridos.

Para mim é sempre doloroso e reconfortante abrir a caixa de receitas dela em uma tarde chuvosa de domingo. As receitas de família para o Dia de Ação de Graças estão lá, claro – o molho de abóbora, o creme de espinafre e a torta de pecã de que meus filhos fazem questão absoluta no feriado, do mesmo jeito que eu fazia quando tinha vinte e poucos anos, empolgada e ansiosa com a independência recém-descoberta. No cardápio do feriado não cabem experimentações, pelo menos não na nossa família; o que há é o conforto da refeição tradicional do feriado, que vai muito além da noção da comida caseira.

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Mas a caixa de receitas também é meio que um documento vivo, uma interação geracional cheia de anotações. As receitas escritas pela bisa foram ajustadas com a letra da minha avó, e depois com a da minha mãe. Escondida atrás das instruções de preparo do refogado de carne moída com creme azedo, achei a minha lasanha de espinafre, embora não me lembre de tê-la copiado, mesmo reconhecendo a folha de caderno que usava na escola. Tem uma versão de lombo de porco na caligrafia da minha sogra, e uma infinidade de receitas de amigos e conhecidos cujas letras ainda reconheço, décadas depois de terem morrido. Dava para criar uma linha do tempo da minha própria vida com esses cartões.

Meus filhos cresceram comendo os pãezinhos da Irmã Shubert no Dia de Ação de Graças, e sei que não ficarão desconsolados se eu nunca achar a receita de bolinho de milho da Mãe Ollie, mas não vou desistir de procurar. E, mesmo que não a encontre a tempo, vou torcer para que a receita dos pãezinhos da minha avó, recém-recuperada dos mistérios obscuros da caixa da minha mãe, também encha a minha cozinha com os aromas de casa. Talvez o segredo esteja no leitelho.

Margaret Renkl, escritora, é autora do inédito “Late Migrations: A Natural History of Love and Loss”.
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