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 | Atsushi Nishijima/Divulgação
| Foto: Atsushi Nishijima/Divulgação

Tenho uma confissão a fazer: estou sofrendo de “esgotamento revoltoso”. Não aguento mais os escândalos diários do governo atual, agravados pelos tiroteios nas escolas, pela inércia das autoridades e pelas fotos do nosso comandante-chefe, dono de empatia zero, sorrindo durante as visitas aos feridos, polegares levantados como se tivesse acabado de cortar a fita de um lote de carros usados. São tantos choques sucessivos que é difícil não ficar amortecida. Acho, então, que devia agradecer aos Vigilantes do Peso por me ajudar a reabastecer minha cota de irritação e fúria.

No mês passado, a instituição anunciou que, a partir de meados deste ano, vai oferecer adesão grátis a crianças de até 13 anos. O comunicado de imprensa fala de “hábitos saudáveis para uma vida de verdade”. A vice-presidente de comunicação corporativa, Stacie Sherer, me disse, em entrevista, que a missão da empresa é tornar o “bem-estar acessível a todos”, abrir o debate não sobre calorias, mas mentalidade, ajudar os clientes a controlar o peso para o resto da vida e oferecer aos adolescentes “uma base para a tomada de decisões mais saudáveis” em relação à alimentação e às atividades físicas. Dá até para quase acreditar que a entidade está se preparando para mudar o nome para Central da Autoestima e Hábitos Saudáveis.

As redes sociais se mostraram céticas em relação ao plano com anuidade gratuita; muita gente, incluindo dietistas e associados veteranos, em vez de considerá-lo uma demonstração de altruísmo bem-intencionado, só o viu como uma jogada cínica para engajar ainda mais cedo a próxima geração de jovens no ciclo inscrição/perda de peso/ganho de peso/reinscrição com que muita gente sofre, e em uma idade em que os estudos mostram que as jovens estão mais suscetíveis ao desenvolvimento de transtornos alimentares.

Precisamos continuar prestando atenção, mesmo quando é mais tentador se desligar

“Queria que alguém tivesse me dito, quando era adolescente, que tinha meu valor, independentemente do peso, que não precisava emagrecer para que gostassem de mim. Talvez eu não tivesse de brigar tanto tempo com o distúrbio alimentar”, tuitou Sarah J. Thompson. O tuíte me pegou de jeito porque eu tive alguém que me assegurou da minha dignidade e do meu valor quando era novinha; seu nome era Madeleine L’Engle e seu livro, Uma Dobra no Tempo, contava a história de uma menina solitária chamada Meg Murry, que enfrenta um inimigo chamado Aquele, uma entidade indescritivelmente maligna cujo objetivo era cultivar a conformidade completa do comportamento, da aparência e das crenças.

“Eu lhe dou seus erros”, um ser celestial chamado Sra. Quequeé diz para Meg, antes de mandá-la em sua missão. A intenção de L’Engle é passar a mensagem de que a personalidade enfezada da menina, suas “duas fileiras ferozes de aparelhos nos dentes”, seus óculos e rosto comum eram suas armas secretas, que o fato de ter sido diferente a vida inteira lhe dá forças para resistir.

Na adaptação tão aguardada de Ava DuVernay para a Disney, que estreia nesta sexta-feira, Meg é interpretada por uma atriz afro-americana – detalhe empolgante, inédito e superimportante para que toda a criançada veja uma história cuja heroína é negra.

Menos inspirador é o tratamento que Hollywood deu às três mentoras de Meg. No livro, sua aparência varia de desleixada a “pouco mais que uma aparição”; no filme, elas são encarnadas por Reese Witherspoon, Mindy Kaling e Oprah Winfrey, que foi escolhida não apesar da fama, mas por causa dela, como explicou a diretora. Em entrevista, a cineasta explica que a personagem da Sra. Qual representa o que Winfrey vem ensinando ao longo dos anos, ou seja, a questão de “administrar o próprio brilho, conquistar a escuridão, injetar força em cada momento da vida e cuidar uns dos outros”.

Leia também: Família é solução (artigo de Carlos Alberto Di Franco, publicado em 9 de outubro de 2017)

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Mas será que o público mais jovem vai reconhecê-la como a portadora da luz do SuperSoul Sunday, a batalhadora feminina que disse a uma plateia exultante na cerimônia do Globo de Ouro que “contar a sua verdade é a ferramenta mais poderosa que uma pessoa pode ter”? Ou será que a verão como a mulher oferecendo tacos nos comerciais dos Vigilantes do Peso, ao lado das listas que indicam quantas gramas cada associado perdeu?

Stacie Sherer me respondeu com um sonoro “De jeito nenhum” quando perguntei se o anúncio de sua empresa tinha alguma coisa a ver com o lançamento do filme – mas o que se apreende do fato de um membro da diretoria/coproprietária/celebridade endossante de um programa de emagrecimento atuar em um longa dirigido principalmente para as jovens, ou seja, o mesmo grupo demográfico que seu novo programa está tentando atrair com associação gratuita? É “Ame-se como você é, com defeitos e tudo”, ou “Sei lá, talvez você pudesse ser mais amada se fosse um pouquinho menor”?

Levarei minhas filhas para ver Uma Dobra no Tempo e vou torcer para que, de alguma forma, consigam escapar dos comerciais dos Vigilantes do Peso – e da ideia de que o reconhecimento e os tacos são para aqueles que se encaixam nos limites estreitos de beleza estabelecidos pela sociedade. Espero que uma versão de Aquele – a noção perniciosa e generalizada que ser magro é ser feliz – não as cative como fez comigo e que não passem dez, vinte anos fazendo dieta.

Porque de uma coisa eu sei: que deveria ter tratado meu corpo com amor e respeito em vez de gastar um dinheiro que não tinha para tentar mudá-lo; que deveria ter dado valor à força e à saúde dele, e me convencido de que o mundo é que tinha de expandir suas visões do que é aceitável, e não que eu precisava diminuir minhas medidas.

Espero que o filme atraia as meninas para o livro, para que possam ler como Meg mergulha fundo dentro de si para encontrar coragem, pensando: “Se eu continuar com raiva, o Aquele não vai me pegar”.

Talvez seja essa a resposta para a ameaça de fadiga da indignação. Precisamos continuar prestando atenção, mesmo quando é mais tentador se desligar; temos de nos manter vigilantes, em defesa da democracia, contra aqueles que querem subvertê-la, e proteger nossas filhas com unhas e dentes daqueles que tentam dispô-las a uma vida de insatisfação e lucrar com sua infelicidade. Se nos mantivermos furiosas, o Aquele também não vai nos pegar.

Jennifer Weiner é autora do livro de memórias “Hungry Heart”.
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