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A Constituição diz, no seu artigo 209, que o ensino é livre à iniciativa privada mediante "autorização e avaliação de qualidade pelo poder público". É no cumprimento da sua missão constitucional que o Ministério da Educação fixa as regras para autorizar e fiscalizar a implantação e o funcionamento de cursos universitários. Em face da expansão do número de instituições de ensino superior nos últimos 10 anos, há quem acuse o MEC de autorizar demais e fiscalizar de menos, permitindo o funcionamento de instituições e cursos de baixa qualidade. Há, pelo menos, duas propostas em debate: uma aumenta o poder de intervenção e controle pelo MEC; outra propõe exatamente o inverso, ou seja, o MEC deve ampliar a liberdade e fiscalizar menos para fiscalizar melhor.

A segunda proposta me parece mais adequada, desde que bem formulada a sua essência. Rui Barbosa dizia que "o princípio da igualdade consiste em aquinhoar desigualmente os desiguais". O maior problema para o bom cumprimento da função do MEC está no fato de não se fazer distinção entre coisas diferentes. Os esforços e os controles que o governo dedica para avaliar um curso de Medicina são os mesmos dedicados para avaliar um curso de Informática, de Economia ou de Sociologia, algo que não me parece razoável. O governo deveria intervir, autorizando e fiscalizando cursos universitários, em função de apenas dois aspectos: a) impedir os danos à sociedade quando, individualmente, as pessoas não têm como se defender; b) adequar a estrutura e o funcionamento dos cursos às exigências da lei.

A melhor forma de o governo cumprir mal o seu papel é tentar avaliar e fiscalizar tudo e todos. Além de ser quase impossível montar estruturas burocráticas capazes de dar conta de milhares de cursos, não é desejável nem necessário que assim seja. Tomemos um exemplo: um médico malformado pode causar sérios danos à vida e ao bem-estar das pessoas, o que faz ser necessário que o poder público zele pela qualidade do curso que o formou, já que as pessoas não dispõem de instrumentos para fazer isso de forma individual. O mesmo raciocínio não vale, por exemplo, para um curso de Computação, de Sociologia ou de Turismo. Não há risco, para as pessoas, que alguém faça um curso desses, por mais fraco que seja, a não ser para o próprio profissional, que dificilmente conseguirá enganar o seu patrão ou o seu cliente, pois estes são capazes de se defender, sem que o governo, lá de Brasília, tenha que cuidar do problema. Dezenas de cursos estão na mesma lógica.

Uma proposta de liberdade com qualidade estabeleceria que os cursos universitários seriam divididos em três grupos, para fins de autorização e avaliação pelo poder público. 1) O governo autorizaria e fiscalizaria de forma rigorosa e constante a implantação e funcionamento dos cursos de Medicina, não lhe cabendo decidir sobre a "necessidade social" de implantação desses cursos. A iniciativa seria livre e o governo fiscalizaria apenas a "qualidade", em todos os seus aspectos, e determinaria o fechamento dos cursos efetivamente ruins. 2) O governo liberaria a implantação, mas fiscalizaria, também de forma rigorosa, o funcionamento de cursos que podem causar danos à vida, à saúde, à liberdade e à segurança dos indivíduos. Nesse grupo entrariam cursos da área da saúde, como Odontologia, Psicologia, Fisioterapia, o curso de Direito e os cursos ligados à engenharia de construções, a exemplo da engenharia civil. Quanto ao curso de Direito, há que se distinguir entre o "bacharel" e o "advogado". Para adquirir o direito de advogar nos tribunais, o bacharel seria submetido ao exame da Ordem dos Advogados do Brasil, em uma prova de caráter nacional, mais longa e mais eficaz para aferir conhecimentos e competências. Os que não fossem aprovados pela OAB continuariam bacharéis. 3) O terceiro grupo seria composto daqueles cursos que o governo simplesmente liberaria e apenas exigiria prestação de contas formais, sem ter que enviar fiscais para controlá-los. Entre estes estariam os cursos de Economia, Informática, Administração, Turismo, Hotelaria, Sociologia, Engenharia de Softwares e dezenas de outros.

Parece não haver sentido em atribuir-se ao governo a tarefa de controlar e fiscalizar um curso de Turismo, de Economia ou de Engenharia de Softwares, entre muitos outros, seja porque os clientes dos profissionais dessas áreas podem defender-se por conta própria, seja porque é melhor para o país que um cidadão faça um curso, mesmo que fraco, de Administração, Economia ou Sociologia (apenas como exemplo), do que não faça curso algum. Não é o caso de confrontar a "importância" dos cursos, mas entender a diferença entre as funções das várias profissões na sociedade e tratar desigualmente os desiguais, como queria Rui Barbosa.

Se o governo ampliasse a liberdade de iniciativa, diferenciando os cursos por grupos, poder-se-ia melhorar a qualidade média do sistema, porquanto os recursos públicos, que são escassos, seriam concentrados na avaliação e controle daquilo que a sociedade precisa do governo para defendê-la. Quando tudo é prioridade nada é prioritário; quem quer fazer tudo, não faz nada bem-feito. Com o governo não é diferente.

José Pio Martins é professor de Economia e vice-reitor do Centro Universitário Positivo (Unicenp).

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