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R$ 600 mil: esse é o valor que a Justiça gaúcha fixou como indenização contra uma jornalista e um veículo de imprensa por simplesmente cumprirem seu papel — informar a sociedade com base em dados públicos.
A matéria em questão expôs que a então presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul recebeu, em um único mês, mais de R$ 662 mil em remunerações e indenizações. Todos os números foram extraídos dos portais oficiais de transparência.
Não houve fake news. Não houve distorção. Houve jornalismo.
Ainda assim, a juíza responsável pela sentença alegou que houve “abuso de direito” na forma como a informação foi publicada — como se o desconforto de uma autoridade pudesse justificar uma censura velada à imprensa. A decisão não pune um erro, mas sim o incômodo que a verdade causa a quem se acostumou ao silêncio.
Como deputado estadual, fiz questão de levar esse caso à tribuna. E, lá, li na íntegra o conteúdo da matéria que originou o processo — porque o que é público deve continuar sendo público. E porque não podemos normalizar que o Judiciário decida o que pode ou não ser publicado, mesmo quando se trata de dados oficiais.
O mais grave é o contraste: o mesmo Tribunal de Justiça do RS que condena jornalistas por “danos morais” também fixou indenizações muito menores a famílias de vítimas de homicídios e acidentes fatais.
Em um dos casos, o Estado foi condenado a pagar R$ 200 mil à família que perdeu um bebê em um acidente envolvendo agentes públicos. Em outro, a soma paga a familiares de vítimas de homicídio foi de R$ 350 mil. E, por publicar a verdade? R$ 600 mil.
A mensagem é clara: vidas custam menos que reputações no topo do poder
Essa decisão fere não apenas a liberdade de imprensa, mas o próprio princípio da transparência pública. Se o dado é verdadeiro, se é público e de interesse coletivo, calar quem o divulga não é justiça — é autoritarismo. É uma tentativa de estabelecer um ambiente onde apenas o discurso permitido sobrevive, e a crítica vira motivo de punição.
E isso precisa nos acender o alerta.
A liberdade de imprensa não é apenas um valor democrático. É um pilar de proteção contra a instalação de regimes autoritários — os explícitos e os velados. Uma democracia onde a imprensa é punida por cumprir sua função vira um terreno fértil para a censura oficializada, o pensamento único e o controle narrativo por parte do poder estatal ou judicial.
Não se instaura uma ditadura com tanques nas ruas, mas com canetadas silenciosas, decisões parciais e intimidações exemplares. Primeiro se ataca o jornalismo. Depois, quem pensa diferente. Quando percebermos, a crítica terá virado crime e a verdade, subversão.
Mais do que nunca, precisamos reafirmar que a imprensa livre é a base da democracia. Que nenhum magistrado está acima do direito do cidadão de ser informado. E que ninguém — absolutamente ninguém — deve usar o poder da toga para proteger privilégios ou blindar a própria imagem em detrimento da verdade.
Se informar virou crime, então estamos vivendo um escândalo silencioso — e ele precisa ser denunciado. Porque calar a imprensa hoje é o primeiro passo para calar toda a sociedade amanhã.
Felipe Camozzato é deputado estadual do Rio Grande do Sul, pelo Partido NOVO.
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Conteúdo editado por: Aline Menezes