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Tangenciado o problema jurídico que pode se mostrar insuperável relativo ao meio pelo se pretende instituir as novas regras de licitação, a proposta contém novidades, algumas inte­­ressantes e importantes

Contrabando no Direito Penal é a conduta de importar mercadoria proibida ou não pagar impostos por mercadoria que ingressa ou sai do país. No jargão político parlamentar, contudo, tem outro sentido: o de incluir em medida provisória determinada matéria estranha ao assunto original, em momento posterior ao da edição pelo chefe do Poder Executivo. A Medida Provisória n.º 521/2010 originalmente editada para disciplinar residência médica, foi contaminada por contrabando, com a inserção por emenda parlamentar na Câmara dos Deputados, de matéria relativa a contratações públicas.

Tangenciado o problema jurídico que pode se mostrar insuperável relativo ao meio pelo se pretende instituir as novas regras de licitação, a proposta contém diversas novidades, algumas interessantes e importantes. Outras nem tanto. De acordo com o artigo 37, inciso XXI da Constituição Federal, sempre que uma oportunidade de realizar negócios com o Estado não puder ser ofertada simultaneamente a todas as pessoas interessadas, ainda que potencialmente, deve haver um processo de seleção pública para tornar isonômica a disputa pelo contrato público. No processo se afere os requisitos de capacidade e de idoneidade das pessoas pretendentes e a proposta comercial apresentada por elas. O processo de seleção tradicional se realiza pelas chamadas modalidades tradicionais, com destaque para a concorrência.

Na concorrência, no âmbito federal, a análise da capacidade e da idoneidade dos licitantes acontece primeiro na fase de habilitação. Os habilitados adquirem o direito de ter sua proposta comercial avaliada. Uma das inovações propostas é a chamada inversão de fases na concorrência, primeiro julgando-se a proposta comercial para somente depois aferir os requisitos de habilitação daquele classificado em primeiro lugar. Outra inovação é que somente as propostas com vícios insanáveis devem ser desclassificadas, possibilitando a correção de erros nas propostas.

Atualmente em uma concorrência, os licitantes somente podem apresentar proposta de preço uma vez. A partir das novas regras se institui a denominada proposta aberta, que possibilita, nos termos do edital, que haja disputa de lances intermediários também nesta modalidade. Critério de julgamento baseado no maior retorno em caso de contrato de eficiência, possibilidade de negociação de preço com o licitante vencedor em todas as modalidades, pré-qualificação permanente de objetos e de licitantes e unicidade recursal são outras disposições inovadoras. A possibilidade de exigir certificação de qualidade de produto, inclusive certificação ambiental é uma ótima inovação.

As novas regras somente se aplicam para contratações relacionadas à Copa do Mundo e Jogos Olímpicos, e, em princípio não flexibilizam ou tornam necessariamente mais frouxos os controles públicos da licitação. Algumas inovações já são rotineiras no estado do Paraná, que já licita com inversão de fases desde 2008 – obrigatória.

Algumas das inovações podem melhorar o processo da contratação. Contudo, há dois grandes problemas. Primeiro, a denominada contratação integrada, na qual a administração transfere para o contratado a obrigação de realizar o projeto básico da obra. Projeto básico bem-elaborado contém todas as informações necessárias e determinantes para a fiscalização da execução da obra. A transferência da sua elaboração para os licitantes pode produzir distorções graves, como no tocante à elaboração das propostas – podem ser propostos preços diversos para objetos diversos, o que viola a análise objetiva. O segundo aspecto diz respeito à imprevisibilidade do valor da futura contratação. Um dos elementos centrais da contratação pública é a avaliação do custo, o que se faz mediante orçamentos estimativos, produzidos tecnicamente com base no projeto básico. A estimativa de despesa feita com base em estudos preliminares e anteprojeto pode indicar para um valor fantasioso da contratação, inviabilizando a aferição concreta da existência de recursos orçamentários, o que caracteriza vício grave de planejamento e violação de disposições constitucionais e da Lei de Respon­­­sabilidade Fiscal. Enfim, mais uma norma produzida às pressas para atender a uma situação específica, norma de ocasião, o que sempre pode produzir resultados desastrosos.

José Anacleto Abduch Santos, advogado, é procurador do estado e professor do Unicuritiba.

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