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A invasão da Reitoria da Universidade Federal do Paraná (UFPR), ocupada por um grupo de estudantes desde o último dia 17, é um ato antidemocrático, elitista e deseducativo. Por isso, deve ser repudiado com veemência por todas as forças progressistas da sociedade paranaense. Tratar com indiferença esse tipo de afronta só alimenta o senso de impunidade, que corrói a democracia.

Desta vez, o pretexto para o ato tresloucado de um grupo minoritário de estudantes, apoiado por professores irresponsáveis, foi impedir a adesão da UFPR ao Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), instituído pelo Decreto n.º 6.094, de 24 de abril de 2007.

Esta iniciativa do Ministério da Educação (MEC), que integra o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), lançado em abril deste ano, tem como objetivo central promover o aumento das vagas e a redução das taxas de evasão nas instituições federais de ensino superior.

Comparativamente, o ensino superior público brasileiro é um dos mais caros e ineficientes do mundo, sobretudo em função da baixa relação professor/aluno. A meta modestíssima do Reuni é aumentar de 14 para 18 a razão professor/aluno.

Invadir o espaço público da Reitoria foi a forma mais eficaz encontrada por estudantes, na sua maioria oriundos de famílias de classe média, para se opor a uma política pública voltada para a expansão e democratização do acesso ao ensino superior.

O aumento de vagas, combinado com políticas afirmativas, adotadas pioneiramente pela UFPR, e uma consistente política nacional de assistência estudantil, permitirá ampliar expressivamente o contingente de estudantes de camadas sociais de menor renda na universidade pública.

Felizmente, o Conselho Universitário não se deixou intimidar e coagir pelos invasores, aprovando por ampla maioria a adesão da UFPR ao Reuni. Outra decisão sábia do Conselho foi rejeitar, por 32 votos a 14, a proposta de realização de um plebiscito sobre a matéria, condição imposta pelos invasores para desocupar a reitoria.

Se o Conselho tivesse deliberado a favor do plebiscito, teria premiado a tática ilegal e ilegítima do movimento estudantil dissidente. A universidade pública não pode ser confundida com a "casa da mãe Joana" nem com um clube VIP no qual seus membros decidem se admitem ou não novos sócios.

Curiosíssima foi a nota dúbia divulgada em dia 18 pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE), desaprovando a ocupação da reitoria "realizada sem o apoio de qualquer instância deliberativa dos estudantes". O DCE não enxergou nenhuma ilegalidade na invasão – apenas um ato de insubordinação ao seu comando centralizado. Mantém aberta, assim, a possibilidade de comandar novas invasões.

O filósofo Roberto Romano, professor titular da Unicamp, tem absoluta razão quando propõe a seguinte reflexão: "É comum estudantes tentarem invadir o espaço público da Reitoria das universidades. Mas, ao fazer isso num contexto democrático, onde há liberdade de protesto e de manifestação, eles quebram toda ordem legal que mantém essa liberdade."

Inconseqüência, espírito desabrido e falta de discernimento político são até justificáveis em jovens de 17 a 22 anos, que constituem a maioria do corpo discente. Que professores incentivem e apoiem ações ilegais e violentas, como a invasão da reitoria, é algo deplorável que merece repúdio.

Passar a mão na cabeça dos invasores, isentando-os de qualquer responsabilidade por seus atos, é uma forma bastante eficaz de lembrá-los que, além do privilégio de estudar numa universidade pública, inacessível à imensa maioria dos jovens, eles pertencem a um segmento social ao qual a lei só se aplica para garantir "direitos adquiridos."

Para quem como eu, filho de uma família pobre de camponeses, viveu na pele a dura experiência de ser um estranho no ambiente elitizado do curso de Jornalismo da UFPR, na década de 80, as políticas inovadoras de democratização do acesso, implementadas nos últimos anos, são uma razão a mais para defender com convicção o papel imprescindível da universidade pública.

Minha filha, caloura de Medicina Veterinária na UFPR, aprendeu em casa a jamais esquecer que neste país chegar à universidade pública ainda é privilégio de poucos. É esta realidade que o Reuni pretende mudar. Na minha passagem pela UFPR, tive apenas um colega negro. Hoje, o corpo discente é mais diverso. Mas é preciso continuar avançando para derrubar as barreiras socioeconômicas e raciais que continuam existindo.

O reitor Carlos Augusto Moreira Júnior – que tem o mérito de ter implantado políticas inovadoras, como o Processo de Ocupação de Vagas Remanescentes (Provar), o sistema de cotas para grupos sociais desfavorecidos e o câmpus do litoral –, está absolutamente certo ao defender a autonomia da universidade na resolução negociada do conflito artificialmente criado por um grupo de estudantes que, segundo suas próprias palavras, "não representa os estudantes da UFPR".

Todavia, a desocupação voluntária da Reitoria condicionada à promessa de não-punição dos envolvidos – conforme compromisso assumido pelo reitor por meio de carta aberta à comunidade universitária – é uma lição de impunidade que não condiz com a missão de uma universidade pública, que é formar cidadãos conscientes dos seus direitos, obrigações e responsabilidades. Não devemos esquecer que os estudantes de hoje serão os políticos de amanhã.

Paulino Motter é jornalista e doutorando em Educação na Universidade de Wisconsin-Madison (EUA).

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