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Foi sepultada dia 17 de março, no Rio de Janeiro, a Professora Yara Vargas, a derradeira descendente com atividade política do inesquecível presidente Getúlio Vargas. Sobrinha-neta do estadista, Yara Vargas honrou seu nome com irrepreensível conduta ética na vida pública. Será lembrada sempre como ativista do trabalhismo, mantendo irremovível defesa da obra e dos ideais legados por Getúlio Vargas.

Filiou-se na Mocidade Trabalhista do antigo Partido Trabalhista Brasileiro, fundado em 27 de março de 1945, e integrou o núcleo de organização do Partido Democrático Trabalhista depois da manobra do General Golbery do Couto e Silva, que levou a Justiça Eleitoral a negar registro, em 1979, ao legítimo PTB, liderado pelo governador Leonel de Moura Brizola.

A ditadura de 1964 cassou o mandato e os direitos políticos da professora Yara Vargas, do mesmo modo que eliminou muitas vocações, expulsou intelectuais, interrompeu carreiras políticas promissoras. Em 1966, elegeu-se deputada estadual pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), após a extinção do PTB, em fins de 1965.

Em 1982, Yara Vargas – gaúcha de nascimento – foi a deputada estadual mais votada no Rio de Janeiro, reelegendo-se em 1986 e 1990 pelo PDT. Elegeu-se 2.ª suplente do Senador Roberto Saturnino (1994–2002).

Em arrancada memorável, Leonel Brizola elegeu-se governador do Rio de Janeiro em 1982, ficando gravada nos anais da história política a tentativa da Proconsult (firma contratada pela Justiça Eleitoral) de fraudar a apuração do pleito mediante direcionamento eletrônico de votos para outros candidatos.

Brizola convocou entrevista com os correspondentes da imprensa internacional e denunciou a farsa, comprovada sem contestação, prevalecendo a vontade das urnas. Assumindo o governo do Rio, Leonel Brizola nomeou Yara Vargas para a Secretaria de Educação, sua especialidade. Coube-lhe implantar os primeiros Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), essa genial concepção do Professor Darcy Ribeiro, com projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer, que Leonel Brizola teve pertinácia para disseminar pelo estado (cerca de 500), basicamente junto das favelas e regiões de população mais carente.

Yara Vargas, com a instalação dos primeiros CIEPs, cumpriu à risca seu objetivo de oferecer escola de tempo integral: o aluno chegava para o café da manhã, assistia aula, almoçava, fazia os deveres de casa, praticava esportes e comia o lanche de fim da tarde antes de ir para casa. Dessa forma, as crianças e jovens ficavam longe das ruas e das más companhias – e conseguiam aproveitamento total.

Embora sabotado no Rio de Janeiro por sucessores que consideravam cara a manutenção do CIEPs, estes foram se propagando pelo país, às vezes com outros nomes e pequenas modificações, como os Centros de Ensino Unificados (CEUs), que a Marta Suplicy construiu em São Paulo.

Tive o privilégio de longa convivência com Yara Vargas, consolidando fraterna amizade, afora as afinidades políticas e o culto à doutrina do trabalhismo. Em 2006, mantivemos no Rio de Janeiro várias conversas sobre a sucessão presidencial, compartilhadas com o talentoso jornalista José Augusto Ribeiro, e chegamos a formular algumas soluções inovadoras, que não prosperaram.

Yara era uma sonhadora idealista e tinha respeito pelas minhas ponderações, que eram respaldadas pela experiência de eu ter ocupado de 1960 a 1965 o cargo de vice-presidente do PTB Nacional, então presidido por João Goulart.

Yara Vargas possuía invulgar coragem cívica, e após abril de 1964 cedeu seu apartamento na Rua Constante Ramos, Rio de Janeiro, para reunião semanal doa atingidos pelo golpe, principalmente militares nacionalistas, deputados, professores, perseguidos em geral. As discussões abrangiam os problemas brasileiros e a busca do encontro de possíveis caminhos para abreviar o fim do autoritarismo, com o retorno ao poder do presidente constitucional João Goulart, com desejavam os mais otimistas.

O contato mais importante do grupo, Yara Vargas à frente, deu-se com o general de quatro estrelas Ladario Teles, nomeado por Jango para comandar o 3.º Exército em Porto Alegre. No dia da eclosão do golpe, ele dominou a situação e ofereceu ao presidente da República a possibilidade da resistência. João Goulart não quis derramar o sangue dos brasileiros e preferiu o exílio.

O general Ladario morreu de enfarte, a ditadura radicalizou-se e as reuniões no apartamento de Yara foram se espaçando, até terminarem por falta absoluta de liberdades democráticas.

Yara Vargas é exemplo insuperável de idealismo e fidelidade ao trabalhismo do estadista Getúlio Vargas. Ela se foi, mas permanecem suas lições de coerência e de amor à Pátria e ao povo.

Léo de Almeida Neves é ex-deputado federal, ex-diretor do Banco do Brasil e autor dos livros "Destino do Brasil: Potência Mundial" (Editora Graal) e "Vivência de Fatos Históricos" (Editora Paz e Terra).

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