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No parlamentarismo, o poder muda de partido e de líder sem mudar de presidente ou rei; basta nova eleição ou nova aglutinação partidária no Parlamento. No presidencialismo, mudar a composição do poder entre pessoas ou partidos pode ser considerado golpe, mesmo que dentro das normas constitucionais, se os que estão no poder fogem das promessas de candidato e das expectativas dos eleitores.

Entre os dias 2 de fevereiro e 7 de abril, o poder mudou de mãos, como um pacífico e constitucional golpe de Estado.

O golpe que, nesse período, tirou o poder da presidente Dilma e do PT começou quando o presidente Lula relegou promessas de campanha e dividiu o poder com adversários, sem que esses mudassem suas posições na forma de fazer política, nem nas propostas da política que o PT se elegeu prometendo mudar.

Como acontece depois dos golpes, o governo adquiriu estabilidade nas votações dentro do Congresso, mas em troca abriu mão do vigor transformador que caracterizava o discurso e as expectativas de seu eleitor. O governo não caiu, mas mudou. Para continuar no poder, adaptou-se aos poderosos, realizando ajustes de positivo caráter social e distributivo, mas sem as prometidas reformas estruturais na economia, na sociedade e na maneira de fazer política.

Mas foi a partir da decisão de ganhar a eleição de 2014 a qualquer custo que o golpe se consolidou, usando técnicas de manipulação da opinião. Marqueteiros usaram a publicidade como um tanque de guerra mental capaz de destruir as mensagens e imagens dos opositores e de mostrar o Brasil como um paraíso construído nos 12 anos anteriores.

O governo não caiu, mas mudou. Para continuar no poder, adaptou-se aos poderosos

Na lógica de todos os golpes, novos atos foram necessários para manter o poder. Diante dos escondidos desacertos na política econômica, foi preciso trazer um ministro da Fazenda que age contrariamente ao que foi prometido em campanha, como um interventor cuja presença é fundamental para corrigir os erros do mandato anterior, escondidos durante a campanha, mas desfazendo as promessas dos candidatos e as esperanças dos eleitores, como em um golpe.

O golpe se aprofunda no dia 2 de fevereiro, quando o PT não consegue impedir a eleição de Eduardo Cunha na Câmara e, por determinação do Planalto, reelege Renan Calheiros presidente do Senado. Mas os golpes exigem outras ações que os consolidem e foi com esse propósito que, no dia 7 de abril, a presidente abriu mão do seu poder, ao dar ao vice-presidente o papel de coordenador do governo, sem nem mesmo ele ser ministro, cargo do qual poderia um dia ser demitido.

Resta esperar para ver se o ministro da Fazenda, os presidentes do Congresso e o vice-presidente da República, com a força adquirida, vão estar combinando seus passos e sintonizando-os com a presidente, ou se algum deles se transformará no líder do grupo; e ela, para sobreviver no poder, terá de se anular, usando diferentes cenografias possíveis, mas com a mesma lógica de golpe: as propostas e comportamentos eleitos não tomam posse.

Cristovam Buarque, professor emérito da UnB, é senador pelo PDT-DF.
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