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Luiz Fux escancarou a guinada do direito brasileiro

Luiz Fux, ministro do STF
Aos 72 anos, Fux tem longa e respeitada carreira na magistratura e na academia (Foto: Victor Piemonte/STF)

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O voto do ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, impressionou, sendo um dos maiores votos da história do STF; o feito de 10 de setembro de 2025 superou o voto de seis horas e meia de Celso de Mello no caso da criminalização da homofobia. Contudo, ainda ficou atrás da exposição de gigantes quinze horas e 48 minutos de Joaquim Barbosa, e de quinze horas e quatro minutos de Ricardo Lewandowski, ambos no julgamento do mensalão.

Não obstante a fundamentação robusta do voto, proporcional ao gigantismo do processo (literal e historicamente, vide os 70 TB de documentos dos autos), houve críticas, principalmente vindas do grupo de juristas de esquerda Prerrogativas, que alegam uma guinada abrupta ao “garantismo penal” por parte do ministro.

Ocorre que guinadas de entendimento acontecem recorrentemente na Corte Suprema; conforme a imprensa, quatro ministros do STF, em suas decisões recentes sobre o foro privilegiado para quem deixou cargo público, mudaram completamente suas opiniões. Em 2018, quando o foro favorecia Lula, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso votaram contra.

Em 2024 e 2025, quando o foro agora prejudica Bolsonaro, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso votaram a favor da competência do STF. Luiz Fux votou pela incompetência do Supremo sob foro nas duas ocasiões – 2018 e 2024/2025 –, mantendo sua posição em seu voto mais recente.

O direito brasileiro passou e passa, na última década, por uma guinada nunca antes vista, e novos patamares e posições processuais doutrinárias democráticas são necessários

Dos 11 do Supremo, a maioria não é composta por juízes concursados: Dias Toffoli, que coincidentemente é genitor do primeiro inquérito orquestrado por um juiz na história do Brasil (IP das Fake News, IP 4781/DF), em suas palavras “contra tudo e quase todos”, nem sequer conseguiu ser juiz de primeira instância, tendo sido reprovado em dois concursos. Antes de alcançar o topo, foi assessor do Partido dos Trabalhadores (PT) na Assembleia Legislativa. Já Fux foi advogado da Shell e juiz de carreira, passando por uma longa jornada até chegar ao Superior Tribunal de Justiça e, daí, ao atual posto.

Incompetentes absolutos, segundo o ministro, os acusados não possuem mais prerrogativa de foro e, portanto, devem ser julgados em primeira instância. Mesmo assim, continua o ministro, se a Corte entender que ainda caberia ao STF analisar o caso, a competência deve ser do Plenário, e não da 1ª Turma. “Ou o processo tem de ir para o Plenário ou deve descer para a primeira instância”, afirma Fux, ao acolher a preliminar de incompetência absoluta da Turma.

“Ao rebaixar a competência original do Plenário para uma das Turmas, estaríamos silenciando vozes de ministros que poderiam esterilizar a forma de pensar sobre os fatos a serem julgados nesta ação penal”, escreveu Fux em seu voto. Ao que parece, a jogada para o Plenário faria com que os últimos ministros indicados por Bolsonaro fizessem parte da votação.

Ao constatar como os autos foram disponibilizados às defesas, Fux apontou para a quantidade e o momento da entrega das provas. “Saltam aos olhos a quantidade de material probatório envolvido nos autos. Em razão dessa disponibilidade tardia... Eu não sou expert nesse assunto, mas o tamanho chega a 70 TB. São bilhões de páginas”, afirmou.

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O ministro ressaltou que a entrega ocorreu muito próxima de fases cruciais do processo. Segundo Fux, um mês após o recebimento da denúncia e em menos de 20 dias do início da oitiva das defesas foi proferida a decisão deferindo a entrega dos materiais apreendidos. Fux reforçou ainda que, cinco dias antes da oitiva, a PF disponibilizou um link às defesas. Os arquivos, conforme destacou, estavam sem nomenclatura ou índice, e novos itens ainda foram incluídos em 15 de junho de 2025.

“Para exercer o seu direito à autodefesa, o acusado precisa conhecer plenamente todas as provas que foram produzidas contra si ou a seu favor. E isso vale para os acusados de ontem e de hoje, independentemente de suas matizes ideológicas. O processo legal vale para todos”, disse Fux. Ao que parece, o processo sofreu diversas estocadas, ataques estes que gradativamente feriram de morte o sistema acusatório: um cerceamento de defesa aqui, um impedimento de acesso aos autos e prisões em massa acolá. De “grão em grão”, a morte do actum trium personarum (a divisão de juiz, acusação e defesa) foi tão gradativa que o “sapo” acabou engolido – um sapo gigante.

"É assim que o mundo acaba. Não com uma explosão, mas com um sussurro", disse T. S. Eliot (Os Homens Ocos, 1925). Tal frase expressa que o fim pode não vir com um grande evento apocalíptico, mas sim com a lenta erosão da alma, da moral, da coragem – e com indiferença.

Esses momentos históricos, denominados “turning points”, dificilmente aparecem à vista; são gradativos. Em agosto de 1939, um dos maiores jornais da Europa estampava a célebre frase “NO WAR THIS YEAR” – sem guerra esse ano – e três semanas depois, a Alemanha invadiu a Polônia. O direito brasileiro passou e passa, na última década, por uma guinada nunca antes vista, e novos patamares e posições processuais doutrinárias democráticas são necessários.

Márcio Greyck é assessor jurídico, graduado em Direito, pós-graduado em Ciências Penais e pesquisador no programa de pós-graduação em Ciências Penais e Segurança Pública do Instituto Rogério Greco.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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