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O presidente Lula resolveu bancar o consultor de finanças pessoais, dizendo às pessoas para que não deixem de consumir. A tese do presidente é de que se todos consumirem mais, as fábricas terão de produzir, o comércio terá de vender e haverá reflexos positivos sobre emprego, renda e impostos. Visto por esse ângulo, o discurso do chefe do Estado tem lógica. O problema nessa orientação é que ela não leva em consideração a situação de cada família em particular. Todos sabemos que quem vive da renda do trabalho deve, em tempo de crise, apertar o cinto, fazer reservas e prevenir-se contra eventual desemprego ou dificuldades.

O conflito aqui reside na diferença entre macroeconomia e microeconomia. Um ministro da Fazenda quer que o consumo nacional aumente e que a economia cresça e, por isso, ele trabalha com o objetivo de combater o desemprego e a queda na produção. O ministro é um macroeconomista. Já o dirigente de uma fábrica deve agir como um microeconomista, que precisa fazer a sua organização sobreviver e crescer, razão pela qual ele não reluta em demitir empregados, caso suas vendas caiam. A ele não compete resolver o problema do desemprego no plano nacional. A mesma situação vive um chefe de família: diante da dificuldade, ele corta gastos, aperta as contas e procura prevenir-se contra as tempestades financeiras.

Há pouco tempo, o Brasil comemorava a expansão do crédito pessoal e o aumento das vendas a prazo. O governo ficou feliz e muitos discursos foram feitos louvando o aumento no crédito ao consumidor e os benefícios para o país. De fato, o crédito pessoal, no Brasil, sempre foi muito pequeno, tanto em valores absolutos como em porcentual do Produto Interno Bruto. Porém o aumento do endividamento pessoal pode representar um problema futuro para as famílias. Muitos entram em dívidas e nunca mais consegue sair delas. Uma das razões é que as taxas de juros para consumo são exageradamente altas. A queda na taxa básica de juros, a Selic, aquela que é paga nos títulos da dívida pública, não provoca redução significativa no custo do dinheiro para as compras a crédito.

Há dois tipos de financiamento que o consumidor deve evitar a todo custo: cheque especial e rotativo do cartão de crédito, pois as taxas de juros dessas modalidades, que superam a 100% ao ano, são punições severas para quem as utiliza. O presidente do Bradesco chegou a dizer, na televisão, que o financiamento via cheque especial não é carteira de empréstimo, e deveria ser abolido, pois os juros que ele funcionam mais como uma multa, uma punição.

Famílias previdentes poupam, formam reservas financeiras para os momentos difíceis da vida e buscam construir algum patrimônio para enfrentar a velhice, a aposentadoria e a doença. Por isso, em momentos de crise, parece estranho alguém orientar as famílias para que gastem mais e continuem consumindo. Será estranho se o conselheiro for um consultor de finanças pessoais, cuja preocupação deve ser com o bem-estar daquela família. Já o presidente de um país sabe que, se todos reduzirem ainda mais o consumo, a crise se aprofunda e todos perderão. Assim, Lula não está de todo errado, mas o problema é que, lá na frente, o tiro pode sair pela culatra e as famílias podem se ver diante de dificuldades, sobretudo para os que vierem a perder o emprego. Vale sempre lembrar que a crise no mercado de hipotecas nos Estados Unidos foi resultado, entre outros fatores, do endividamento irresponsável de milhões de famílias.

Outro problema diz respeito às perdas que as instituições financeiras sofrem quando os devedores não conseguem honrar suas dívidas. A inadimplência dos devedores provoca prejuízos para os bancos, que acabam tendo de repassar o pepino para a sociedade, elevando as taxa de juros. Esse é um dos argumentos apresentados pelos bancos para justificar o alto custo dos empréstimos pessoais. O fato é que não há saída fácil e quem gastar mais e comprar a prazo, seguindo a orientação de Lula, o consultor, pode armar, para si, uma bela arapuca financeira.

José Pio Martins, economista e vice-reitor da Universidade Positivo.

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