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Lula quer controlar presídios do país: mais gasto e menos segurança

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Lula em entrevista coletiva na terça-feira (3) no Palácio do Planalto: novas medidas populistas estão a caminho. (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quer centralizar o controle das prisões no Brasil. É isso que propõe a PEC da Segurança (Proposta de Emenda à Constituição 18/2025), enviada por seu governo ao Congresso. O texto tem pontos positivos — como a integração de dados, o fortalecimento das guardas municipais e o combate mais eficaz às organizações criminosas interestaduais. Mas esconde um risco enorme: a federalização dos presídios e prisões, que entrega à União o comando de todo o sistema penitenciário nacional. É uma mudança perigosa, que ameaça a autonomia dos estados, aumenta os gastos e pode tornar a segurança pública ainda mais ineficiente.

A medida rompe com o pacto federativo, gera riscos à gestão das políticas penais e representa um retrocesso institucional travestido de eficiência. O Brasil adota um modelo de gestão descentralizada: os estados são responsáveis pela maior parte das prisões, enquanto a União opera presídios federais em casos excepcionais, como líderes de facções de alta periculosidade. Esse arranjo é reconhecido constitucionalmente desde a Emenda 104/2019, que criou as polícias penais estaduais e federais.

A PEC 18/2025 inverte essa lógica ao prever que a União coordene e unifique todo o sistema penitenciário nacional. Isso na prática pode representar uma centralização da gestão e do orçamento, desconsiderando as realidades regionais e a experiência acumulada pelos estados ao longo de décadas de execução da política carcerária.

Federalizar as prisões exige mais do que vontade política — exige bilhões de reais em reestruturação, contratação, ampliação de vagas, deslocamento de presos e adaptação legal. O Brasil, que já enfrenta um quadro de forte restrição fiscal e dívida pública superior a R$ 7,3 trilhões, simplesmente não tem espaço no orçamento para absorver esse custo sem comprometer outras áreas essenciais.

O governo federal deve focar naquilo que de fato agrega valor à segurança pública nacional: inteligência, coordenação, investimentos em tecnologia e fortalecimento de fronteiras. O que a sociedade brasileira não pode aceitar é mais um movimento de concentração de poder em Brasília

Além disso, constitucionalizar os Fundos Nacionais de Segurança e Política Penitenciária, como propõe a PEC, engessa ainda mais o orçamento, dificultando a flexibilidade do Executivo para responder a prioridades emergenciais em saúde, educação ou desastres climáticos.

A experiência nos ensina que mais centralização raramente significa mais eficiência. Um sistema penitenciário coordenado de forma rígida por Brasília ignora que o crime tem dinâmicas locais e que a reabilitação dos apenados, quando bem feita, passa por iniciativas e parcerias no nível estadual e municipal, não por normas padronizadas e distantes da realidade das ruas.

É verdade que os presídios federais brasileiros são, de fato, uma referência. Construídos com foco em segurança máxima, contam com protocolos rigorosos e infraestrutura de ponta. Desde sua criação, apenas duas fugas foram registradas, o que atesta sua eficácia como instrumentos de contenção de lideranças perigosas e desarticulação de organizações criminosas.

Mas, justamente por isso, esses presídios e prisões cumprem uma função excepcional e estratégica. Hoje, são apenas cinco unidades no país, uma por região, com capacidade limitada e propósito específico. Usar sua qualidade como justificativa para federalizar todo o sistema penitenciário nacional é ignorar que replicar esse padrão em larga escala exigiria investimentos bilionários e tempo, sem qualquer garantia de manutenção da mesma excelência operacional.

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Além disso, a atual divisão de competências permite algo essencial em uma federação: que os estados desenvolvam soluções próprias e aprendam uns com os outros. Experiências bem-sucedidas em gestão prisional, reintegração de presos ou uso de tecnologias podem servir de modelo e inspiração para outras unidades da federação. Quando tudo é centralizado, perde-se esse laboratório natural de inovação pública e aprimoramento contínuo.

Criar um sistema único, inclusive para os presídios e prisões, uniforme e controlado desde o governo federal pode ser o sonho de um burocrata, mas tende a ser o pesadelo da gestão pública: decisões lentas, prioridades distorcidas por interesses políticos e descolamento completo das necessidades locais.

É preciso reconhecer: há pontos positivos no texto. A inclusão das guardas municipais no artigo 144 da Constituição, com delimitação clara de competências, é uma vitória da segurança jurídica. O reforço da Polícia Federal no combate a crimes ambientais e milícias, e a padronização de dados e protocolos entre forças policiais, são avanços importantes. Mas para que esses avanços não venham à custa de uma perda ainda maior, é fundamental que o Congresso aprove a PEC com emendas corretivas. É possível, e necessário, integrar sem recentralizar.

O governo federal deve focar naquilo que de fato agrega valor à segurança pública nacional: inteligência, coordenação, investimentos em tecnologia e fortalecimento de fronteiras. O que a sociedade brasileira não pode aceitar é mais um movimento de concentração de poder em Brasília, que desorganiza o que funciona, onera o que já é caro e piora aquilo que deveria melhorar.

Rafael Moredo é internacionalista pela FGV, especialista em Gestão Pública pelo Insper e  coordenador de Políticas Públicas do Livres.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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