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Concedida no calor dos acontecimentos, a entrevista coletiva de Lula na sede do PT no dia 4 de março é reveladora de suas posições políticas e trajetória. Mesmo tendo feito um discurso para dar coesão à sua base política, Lula não deixou de dar elementos para uma análise mais aprofundada das relações dele e do PT com os grandes grupos empresariais do país.

Na ocasião, o ex-presidente terminou seu discurso fazendo uma defesa das empreiteiras, argumentando que elas geram empregos e pagam impostos. Além de exaltar as realizações de seus governos, também aproveitou para contar vantagem sobre o preço que cobra para suas palestras, que seriam mais caras que as de Bill Clinton. Como sabemos, o fim dos discursos sempre traz sua melhor parte. E foi neste momento que Lula defendeu as empreiteiras.

O que vai ficando explícito é que Lula tem se utilizado dos contatos e informações que obteve ao ser presidente para conseguir negócios para as grandes empreiteiras brasileiras (especialmente fora do Brasil), que por sua vez fazem grandes doações para o Instituto Lula e para as campanhas políticas do PT e partidos aliados. Esse processo já acontecia durante seu governo (basta olhar a quantidade de obras de empreiteiras brasileiras em países da África e da América Latina) e se acentuou com sua saída da Presidência.

Já passou da hora de desapegar-se do “mito Lula”

Independentemente de esse lobby ser ilegal ou não, é moralmente escandaloso. E não adianta dizer que ex-presidentes como FHC e os militares também fizeram o mesmo, o que provavelmente é até verdadeiro. No fim das contas, o PT e Lula deveriam é ter vergonha de comparar o seu padrão moral com os desses políticos. Há de se reclamar da seletividade da Justiça brasileira, sem esquecer que conduções abusivas acontecem todos os dias com a população pobre e negra das periferias das grandes cidades.

É preciso abrir os olhos e admitir que o maior líder político popular dos últimos 40 anos está terminando sua carreira como um lobista de empreiteiras. Já passou da hora de desapegar-se do “mito Lula”. E isso se torna mais importante devido ao crescimento de posições conservadoras no país. Ainda que não saibamos se tais posições realmente cresceram ou se apenas têm se sentido à vontade para se colocar publicamente, é fato que a opinião pública e até os protestos de rua vêm sendo ocupados por defensores da ditadura militar e da retirada de direitos trabalhistas e sociais.

Enquanto as parcelas progressistas da sociedade continuarem defendendo Lula, Dilma e o PT, os defensores do atraso terão um maior espaço para suas posições. Ainda que elas muitas vezes não tenham nenhum embasamento na realidade (como aquelas que afirmam que Lula e o PT têm um plano “comunista-bolivariano”), vão se aproveitando da difícil situação econômica do país e da ausência de novas referências políticas da esquerda para se enraizar.

O fim do ciclo PT exige ousadia. Exige um reinventar de práticas, uma superação de projetos pessoais e messiânicos. É preciso “renascer das cinzas”, aprendendo, de uma vez por todas, que chegar ao poder e disputar eleições fazendo concessões éticas e/ou ideológicas não serve no médio e longo prazo.

Bernardo Pilotto, sociólogo e trabalhador do Hospital de Clínicas, foi candidato a governador do Paraná pelo PSol em 2014.
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