• Carregando...
Machado é da hora!
| Foto: Fundação Biblioteca Nacional/Wikimedia Commons

A frase que dá título a essas breves considerações foi proferida por um aluno quando ele estava no primeiro ano do ensino médio, ou seja, tinha 15 anos.

Sou professor de Redação e de Literatura. Em relação a essa última disciplina, sempre utilizei como estratégia ler trechos das obras obrigatórias com os meus alunos. Para mim sempre foi óbvio que um aluno de 14 para 15 anos teria enorme dificuldade de ler o nosso grande escritor, basicamente por dois motivos: a língua, pois estamos falando de um autor do século 19, e a temática.

De fato, as histórias de Machado, se pensadas como classificação etária, seriam indicadas para maiores de 18 anos. Indecente? Pornográfico? Não, “apenas” dono de uma visão de mundo sem qualquer idealização. Na Poética, Aristóteles afirmou que Sófocles apresentava os homens melhores do que são e Eurípedes os apresentava como são. Machado de Assis, com uma boa dose de pessimismo, os apresenta tal como Eurípedes. Por isso, é um autor “tirem as crianças da sala”.

Um dos contos de Machado que adoro ler com os meus alunos é A cartomante. A narrativa é tensa: Rita é casada com Vilela, mas o trai com o seu melhor amigo, Camilo. A mulher procura uma cartomante, pois está em dúvida se o amante realmente gosta dela. Isso porque Camilo deixou de visitar a casa de Vilela, pois recebera cartas anônimas afirmando que o caso de adultério era sabido por todos.

Assunto complicado, não? Porém, o final surpreendente, que revela a relevância da cartomante, surpreende os alunos.

Leio esse conto todo ano com os meus alunos, pois faz parte do material pedagógico da escola em que trabalho. Termino a leitura e já escuto uns “oh!” na sala. Mas esse dia foi mais marcante porque um aluno, de perfil mais de exatas, me disse, quando eu estava saindo da sala de aula: “Professor, Machado é da hora!”

Concordo com o meu aluno, o Bruno, que hoje tem 17 anos e está no terceiro ano. E vou além: os alunos devem ler os nossos clássicos, pois Machado, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Gonçalves Dias, Bandeira, Drummond são escritores maravilhosos e que não necessitam de tradução. Precisam que um professor apaixonado, como bom cupido, saiba fazer uma bela apresentação de suas qualidades para os seus alunos. Se não houver amor, haverá respeito. E isso é muito bom para que construamos uma sociedade que saiba pelo menos reconhecer uma grande obra literária. Se vier a apreciá-la, tanto melhor.

Termino com essa bela reflexão de Tzvetan Todorov, em A literatura em perigo: “Somos todos feitos do que os outros seres humanos nos dão: primeiro nossos pais, depois aqueles que nos cercam; a literatura abre ao infinito essa possibilidade de interação com os outros e, por isso, nos enriquece infinitamente. Ela nos proporciona sensações insubstituíveis que fazem o mundo real se tornar mais pleno de sentido e mais belo. Longe de ser um simples entretenimento, uma distração reservada às pessoas educadas, ela permite que cada um responda melhor à sua vocação de ser humano”.

Eduardo Gama, mestre em Literatura, é jornalista, publicitário e professor de Redação e Literatura.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]