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O governo baixou mais um pacote para incentivar as vendas de automóveis. O destaque é, de novo, a redução do Imposto de Produtos Industrializados (IPI). A princípio, o argumento parece louvável: estimular o consumo, a fim de evitar queda na produção industrial, aumento do desemprego, diminuição da renda nacional e redução dos impostos pagos.

Porém, uma análise mais profunda mostra que o pacote vem com vários defeitos e, ainda que possa produzir alguns bons resultados, haverá consequências negativas para o bem estar da população, para as finanças das pessoas e para o meio ambiente.

O efeito sobre o bem estar social está no colapso do sistema de circulação das cidades. A estrutura viária e de transportes urbanos não consegue mais suportar o número de veículos que circulam diariamente e o caos se agrava a cada dia. Além de provocar ineficiências e perdas para a economia, o colapso no trânsito está desestruturando o estado emocional das pessoas, e nada indica haver soluções à vista.

Lançar mais e mais veículos nas cidades brasileiras sem reformular a estrutura viária é um equívoco que irá agravar o inferno urbano e diminuirá a produtividade da economia. A entrada de milhares de veículos novos no mercado todos os dias, desacompanhada de um plano radical de investimentos em soluções viárias, fará o estrangulamento das grandes cidades aumentar rumo à inviabilidade total.

Para as finanças pessoais, o programa de redução tributária e o incentivo à tomada de empréstimos para aquisição de veículos vão gerar estragos na situação de endividamento das pessoas físicas. Em meados de maio, foram divulgadas informações mostrando que o sistema bancário nacional está com R$ 56 bilhões de prestações vencidas e não pagas, sendo que metade desse valor é de dívidas de pessoas físicas.

Se alguém quer explicações sobre as razões das altas taxas de juros, a inadimplência é uma delas. Os bancos somente conseguem suportar tantas dívidas não pagas porque as perdas são computadas no cálculo das taxas de juros dos empréstimos concedidos. É uma situação grave, a ponto de o governo ter resolvido dar uma ajuda para sua solução, modificando a forma de cobrar tributos sobre dívidas renegociadas.

Quando um devedor vai ao banco e renegocia sua dívida vencida contratando uma dívida nova, o fisco entende tratar-se de uma operação nova e cobra tributos como se fosse uma nova operação de crédito. O ministro da Fazenda anunciou que irá mudar essa interpretação e aliviará a cobrança de tributos.

Outro efeito negativo do pacote é sobre o meio ambiente. Em várias partes do mundo, os incentivos para os carros são vinculados à melhoria da eficiência energética e à redução na emissão de gases. Ou seja, os incentivos são dados desde que os veí­­culos financiados ofereçam redução do consumo de combustíveis ou usem energias alternativas menos poluentes, como é o caso do carro elétrico, ou diminuam as emissões de gases dos motores. Nada disso foi incluído no pacote aprovado pelo governo.

O tamanho da indústria de veículos e o volume de empregos que ela gera são relevantes e conhecidos. Mas selecionar um ou alguns setores para receber benefícios com dinheiro público é condenável, seja por não configurar uma política industrial completa, seja por privilegiar uns em detrimentos de outros, com o dinheiro de todos.

A busca de opções para minimizar a crise é salutar. Mas repetir receita velha para problema novo é um equívoco.

José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.

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