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 | Henry Milleo/Arquivo Gazeta do Povo
| Foto: Henry Milleo/Arquivo Gazeta do Povo

A recepção de 1.375 médicos brasileiros formados no exterior no Programa Mais Médicos, divulgada em 3 de outubro, poderia soar como boa notícia aos pacientes de todo o Brasil. Contudo, só traz preocupações para quem de fato busca seriedade e qualidade na assistência à saúde.

O grande problema é que esses profissionais que se espalharão pelo território nacional passarão a atender a população sem passar pelo Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituições de Educação Superior Estrangeira, o Revalida. Dessa forma, o que deveria vir como solução certamente se tornará mais uma agravante para o atendimento aos pacientes, já tão prejudicado por más gestões e falta de compromisso social por parte da maioria da classe política.

Temos uma regra clara: todos os médicos formados em faculdades fora do Brasil devem passar pelo exame de revalidação do diploma para exercer a medicina no país. É apenas uma norma simples, porém eficiente e imperiosa, para avaliar a aptidão desse profissional, se está ou não em condições de cumprir os protocolos clínicos e o código de ética médica em seu trabalho. Enfim, é um filtro para que só entre na linha de frente da assistência quem está capacitado.

Enquanto o governo pensar apenas em quantidade, a população seguirá padecendo lamentavelmente

Sabemos que a grande maioria dos brasileiros graduados no exterior vem de faculdades de países latino-americanos como Argentina, Bolívia e Paraguai. Óbvio que todas essas nações possuem algumas ótimas escolas. Entretanto, como aqui, também contam com faculdades sofríveis, que deixam a desejar em termos de formação. Também devemos considerar que até os graduados nas melhores faculdades do planeta têm de comprovar que estão preparados para atender no Sistema Único de Saúde, com suas particularidades, e compreendem a epidemiologia do nosso trópico.

São esses médicos, cujo conhecimento técnico e científico o governo abre mão de avaliar, que se espalharão pelo Brasil, colocando em risco a população mais carente de serviços de saúde.

Não é de hoje que o Programa Mais Médicos suscita críticas por parte das instituições que representam os diversos profissionais na área de saúde. Quando foi criado, em 2013, teoricamente a intenção era arregimentar o maior número de médicos para suprir a carência em áreas remotas e periferias. Na prática, foi usado politicamente como cortina de fumaça para a crise que já se desenhava e para responder à crescente insatisfação exposta em movimentos de rua.

Foram chamados os graduados em território nacional praticamente ao mesmo tempo em que era firmado um acordo de cooperação com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), o que permitiu que 8.593 estrangeiros, sendo a grande maioria formada por cubanos, ocupassem quase metade das vagas ofertadas. E todos sem passar pelo Revalida.

Leia também:Médicos cubanos deixados à própria sorte (editorial de 11 de outubro de 2017)

Nossas convicções:Proporcionalidade e liberdade profissional

Os números apresentados pelo governo até podem impressionar: são mais de 4 mil municípios e 34 distritos indígenas com 18.240 vagas oferecidas pelo Mais Médicos. Atualmente, com a recente admissão, o programa conta com 47,1% de estrangeiros (incluindo os cubanos), 45,6% de brasileiros formados aqui ou no exterior, 4,1% de intercambistas e 3,2% das ofertas abertas para reposição.

A participação de brasileiros no Mais Médicos também cresceu e já chega a 8.316 profissionais. A tendência é aumentar ainda mais, pois o plano é substituir, nos próximos três anos, ao menos 4 mil dos estrangeiros da cooperação com a Opas por médicos locais.

Tudo, outra vez, parece embalado para solucionar o problema da saúde nas áreas mais carentes do país. Só que, ao olhar de perto, percebemos que a situação carece justamente de qualificação. Enquanto o governo pensar apenas em quantidade, a preocupação com o atendimento à população só aumentará e a população seguirá padecendo lamentavelmente.

Antonio Carlos Lopes é presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica.
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