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Trata-se do mais simples, básico e elementar respeito pela Constituição Federal: informar quanto foi pago para a criação e produção da peça publicitária e pela veiculação da mesma em determinado meio de comunicação

Estima-se que União, estados e municípios destinem quase R$ 3 bilhões ao ano para gastos com publicidade oficial. A publicidade oficial geralmente ocorre para que os poderes divulguem suas ações e também para que, juntamente com as autarquias, fundações e empresas públicas, divulguem os serviços que prestam ao público.

Parece razoável que mesmo as entidades públicas prestem contas de sua atuação através da publicidade, bem como que utilizem essa forma de comunicação para divulgar serviços, como, por exemplo, uma nova linha de financiamento promovida por banco público, ou, ainda, incentivar comportamentos da população, como a necessidade de se responder às perguntas do IBGE por ocasião da realização do censo.

Parece irrazoável, por outro lado, que entidades públicas realizem campanhas para promoverem símbolos ou sinais que remetam à memória de determinado dirigente ou partido, ou mesmo para comemorar fatos sem significado condizente com o interesse público, como divulgação de expectativas comerciais ou datas comemorativas.

O grande problema, como sempre acontece, é que a falta de limites claros entre o razoável e o irrazoável permite que situações nebulosas, situadas na zona cinzenta desses conceitos, sejam resolvidas em prejuízo do contribuinte.

Ainda está gravado na memória da população o famigerado escândalo do "mensalão", em que empresas de publicidade recebiam vultosos valores por campanhas governamentais e redistribuía esses valores para alimentar a base de sustentação política do governo federal. Não custa lembrar, entretanto, que os órgãos federais pelo menos seguiam as regras da Lei n.º 8.666, que disciplina os procedimentos licitatórios no âmbito do poder público, ao contrário de dezenas de estados e milhares de municípios, que realizavam publicidade oficial sem se submeterem a qualquer regra.

Na esteira do escândalo do mensalão e para disciplinar a contratação no âmbito dos estados e municípios, foi promulgada a Lei n.º 12.232/2010, a qual estabelece diversas regras para a contratação e realização da publicidade oficial. Entre os méritos da Lei está o de ter acabado com a famosa contratação "guarda-chuva", em que diversos serviços paralelos (como pesquisas, análises de campo, etc) eram incluídos no pacote de contratação, de forma a inflar os custos do contrato.

Mas, infelizmente, as frestas que permitem o mau emprego de recursos públicos não foram fechadas, uma vez que a lei ainda permite a contratação pela "melhor técnica", o que quer dizer que em determinados casos o contratante (gestor público) poderá escolher livremente qual a empresa será contratada, bastando que a escolhida seja considerada aquela que goza do referido atributo ("melhor técnica").

Parece realmente difícil fazer a conciliação adequada entre a necessidade de publicidade oficial e a forma de escolha das empresas produtoras dos materiais publicitários, bem como do preço justo a ser pago pelos serviços criativos. Nessa encruzilhada, talvez o princípio constitucional da transparência pública possa ser o fator determinante para se começar a discutir seriamente esse problema. Como não se pode esperar que os todos os gestores públicos cumpram a Constituição Federal de livre e espontânea vontade, urge que sejam aprovadas leis no âmbito federal, estadual e municipal obrigando que em cada anúncio nas mídias impressas e virtuais, em cada anúncio televisivo, em cada outdoor e panfleto, seja colocado, mesmo que em letras e números diminutos, o valor pago pela produção da peça publicitária e da veiculação do anúncio.

Trata-se apenas do mais simples, básico e elementar respeito pela Constituição Federal e pelo contribuinte: informar quanto foi pago para a criação e produção da peça publicitária e pela veiculação da mesma em determinado meio de comunicação. Se o governo federal deseja anunciar na revista Veja, pois bem, que ao menos informe ao contribuinte os valores da veiculação e da criação da peça publicitária.

Obviamente, alguns apontarão dificuldades para a operacionalização desse procedimento, como a dificuldade de se compartimentar os custos. De antemão pode-se assegurar que são dificuldades mais imaginárias que reais, pois todos os custos de produção podem ser divididos pelo número de peças da campanha ou, pelo menos, ser contratados dessa maneira.

E, mesmo diante de dificuldades aparentemente intransponíveis, deve sempre ser prestigiado o princípio constitucional da transparência, pedra angular de toda a gestão da coisa pública. Na dúvida, é imperioso que o gestor público seja tomado pela "vontade de Constituição", como apregoava Konrad Hesse, para que tome as medidas administrativas que mais obedeçam e cumpram as normas constitucionais. A divulgação no próprio anúncio do valor despendido cumpre e prestigia a Constituição.

Anderson Furlan, juiz federal, é diretor da Escola da Magistratura Federal, mestre e doutorando em Ciências Jurídico-Econômicas pela Faculdade de Direito de Lisboa.

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