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O recurso a ser em breve julgado trata apenas do exame em si, como se a lei não pudesse exigi-lo. Tese que tornaria a OAB um despachante dos cursos de Direito: bastaria apresentar o diploma para que milhares de bacharéis se tornassem advogados

O exame para ingresso na OAB tem o condão de renovar polêmicas. Ao que se infere, há muitos que não se conformam em ter de comprovar a sua aptidão jurídica como condição para exercer a profissão de advogado. Afinal, ninguém gostaria de descobrir que os cinco anos dedicados ao curso de Direito podem não servir para o ingresso na OAB. No mês passado, duas notícias – uma global, outra nacional – reacenderam as discussões. Vamos primeiro ao mundo, para depois voltar ao Brasil.

No dia 11 de julho, o International Herald Tribune (edição global do New York Times) publicou a notícia de que, no Japão, é extremamente difícil a prova que lá equivale ao exame para ingresso na OAB. A reportagem abre com a notícia de que um bacharel em Direito de 31 anos, formado numa faculdade de primeira linha, aguardou por dois anos para prestar o primeiro exame. Dois anos esses em que estudou todos os dias, das 9 da manhã à meia-noite. Qual o motivo para tanta dedicação? O fato de que, desde 2004, existe limite de tentativas para a prova cuja aprovação habilita o candidato ao exercício da advocacia. Se não for aprovado nas três chances de que dispõe, o candidato não poderá ser advogado e ponto final. Além disso, o exame é muito difícil: em 2010, apenas 25% dos candidatos foram aprovados (pouco mais de 2 mil pessoas). Em decorrência dos resultados de 2010, em que duas das 74 faculdades de Direito não tiveram nem sequer um candidato aprovado, uma delas fechou as portas e as demais anunciaram a reestruturação dos respectivos cursos. Atualmente, o debate diz respeito à elevada dificuldade da prova.

Situação, aliás, não muito diversa da francesa: no equivalente francês ao exame da OAB, o candidato precisa realizar exame de admissão na escola de formação de advogados da respectiva seccional (Paris, Lyon etc.). Uma vez aprovado, o advogado-estagiário realiza três semestres de cursos, sob a supervisão de professores da própria escola de advogados. Ao final, submete-se a sérios exames para a obtenção do certificado de aptidão para a profissão de advogado – e daí poderá prestar compromisso na respectiva seccional da ordem dos advogados e exercer a profissão. Existe número limitado de vagas a cada ano para ingresso na escola de advogados e, tal como no Japão, o bacharel só pode se submeter por três vezes ao teste – se reprovado, deverá procurar outras carreiras (jurídicas ou não).

De volta ao Brasil, no dia 23 de julho a Gazeta do Povo trouxe reportagem que noticiava o parecer da Procuradoria da República junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), oferecido num recurso em que se discute o exame. O parecer encampa a tese de que haveria uma restrição inconstitucional à liberdade de trabalho, ofício ou profissão. A OAB opôs-se fortemente ao conteúdo de tal parecer, pois a Constituição prevê, em seu artigo 5.º, que a liberdade de profissão submete-se às exigências da lei que a discipline – o que se dá no Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994).

Note-se que a discussão no STF não diz respeito a número de vagas por exame, à sua dificuldade ou a limite de exames por candidato: ao contrário das japonesas e francesas, essas exigências não existem no Brasil. Aqui, tornam-se advogados todos os que forem aprovados e os candidatos podem submeter-se ad aeternum ao exame. O recurso a ser em breve julgado trata apenas do exame em si, como se a lei não pudesse exigi-lo. Tese que tornaria a OAB um despachante dos cursos de Direito: bastaria apresentar o diploma para que milhares de bacharéis automaticamente se tornassem advogados.

Mas algo de muito bom pode resultar da reportagem brasileira e de seu contraste com o que se passa ao redor do mundo: a comparação faz nascer a esperança de que, no futuro, o debate torne-se mais maduro e consistente. Quem sabe em breve o exame da OAB preste-se a gerar mais dedicação dos alunos e, porventura, até o fechamento de faculdades ineptas a formar advogados.

Egon Bockmann Moreira, advogado, doutor em Direito e professor da Faculdade de Direito da UFPR.

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