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A guerra das Malvinas de 1982 completa 30 anos. Ilhas isoladas, conquistadas à força pelos britânicos em 1833 e relegadas ao esquecimento no distante Reino Unido, as Ilhas foram lembradas pelos acontecimentos de outono de 1982, que levaram a junta argentina no poder a arquitetar uma operação de reconquista, subdimensionando a determinação de Margaret Thatcher e a reação de uma Royal Navy desacreditada.

As Malvinas então se tornaram objeto de uma guerra conduzida nos planos diplomáticos, econômicos, industriais e militares, que durou dois meses e meio e levou à perda de mais de 1.000 combatentes, além do grande número de feridos. Por outro lado, num contexto de corrida armamentista das grandes potências, a guerra também serviu como um campo de experiências para os armamentos convencionais.

Geopoliticamente, o conflito apresenta todas as características de uma guerra de descolonização. Situadas a 480 quilômetros da costa argentina e a 14 mil quilômetros do Reino Unido, as ilhas são consideradas prolongamento do território da Argentina, que desde a conquista de sua independência reclama a soberania sobre elas, jamais aceitando a ocupação britânica que desde o século 19 ali mantém uma colônia.

O grande movimento de descolonização que animou a Assembleia Geral da ONU favoreceu as pretensões argentinas. Quando a Organização foi criada, em 1945, havia mais de 80 nações sujeitas a regime colonial, onde viviam 1/3 da humanidade na época. No decorrer da segunda metade do século 20, após as chamadas "ondas de descolonização", essa situação foi drasticamente revertida.

A partir dos anos 60, a ONU instituiu um Comitê de Descolonização com o objetivo de impulsionar o processo de independência de territórios sujeitos à exploração colonial. O Comitê elaborou uma lista de territórios não autônomos que incluía as Ilhas Malvinas. Cedendo às pressões internacionais, o Reino Unido iniciou um processo de negociações que, todavia, nunca avançou, desembocando no afrontamento militar de 1982 que terminou favorável ao país europeu. De fato, a intervenção armada arquitetada pelo general Galtieri, numa tentativa desesperada de salvar a ditadura militar, provocou o efeito de ocultar os direitos legítimos do país sobre o arquipélago.

O imbróglio jurídico-político que envolve as Malvinas reflete o embate entre o direito à descolonização e uma visão distorcida do direito à autodeterminação dos povos, reivindicado pelo Reino Unido, confiando no fato de que a população das ilhas é de maioria britânica. Não obstante, essa população fora importada para o arquipélago no processo de expansão mundial do império britânico. Difícil justificar que um país localizado em outro continente, a 14 mil km de distância, exerça sua soberania sobre as Malvinas. A posição britânica respalda-se na lógica do imperialismo e do colonialismo.

Na primeira década do século 21, persistem ainda muitos territórios coloniais que aguardam o seu direito à independência. A inércia da ONU no caso das Malvinas justifica-se, em parte, pela condição do Reino Unido de membro permanente do Conselho de Segurança, com direito de veto. A mesma lógica aplica-se à China no caso do Tibete.

Recentemente, a Argentina vem pressionando o Reino Unido a retomar a mesa de negociações sobre a soberania do arquipélago. Fora da ONU, no passado a Argentina recebeu ainda apoio da OEA e do Movimento dos Não Alinhados. Há poucos dias, seis prêmios Nobel da Paz de quatro continentes iniciaram uma campanha internacional para pressionar o primeiro ministro David Cameron a reabrir as portas do diálogo.

Essa iniciativa comprova que a crise nas Malvinas é muito mais do que um problema argentino. Trata-se de um resquício da lógica imperial e, para nós, brasileiros, de um encrave colonial no espaço do Mercosul.

Larissa Ramina, doutora em Direito Internacional pela USP, é professora do Programa de Mestrado em Direitos Fundamentais e Democracia da UniBrasil, e professora do UniCuritiba.

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