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Queimadas na Amazônia
Com o aumento da devastação causada principalmente por incêndios e mudanças de uso das terras, Amazônia pode virar savana, diz relatório da ONU.| Foto: João Laet/AFP

No frio de janeiro nos Alpes suíços, o ministro da Economia, Paulo Guedes, ouviu da elite financeira e empresarial reunida em Davos que a mudança do clima é uma agenda econômica. Da rainha da Inglaterra ao dono do cofre do Vaticano, o papa Francisco, há um consenso de que os riscos climáticos – sejam eles físicos ou regulatórios – vão muito além da questão de manter boa reputação. Segundo o ex-chefe do Banco Central da Inglaterra Mark Carney, “bolhas de carbono” podem estourar nos próximos anos se não houver uma transição planejada do modelo com base em combustíveis fósseis para outro, livre de emissões. E essas bolhas oferecem risco à estabilidade do sistema financeiro.

Guedes voltou a Brasília certo de que aquela não era uma agenda desimportante e fez movimentações para convencer o presidente a corrigir os sinais dados no ano anterior. Vale lembrar: em 2019, o Brasil foi capa da The Economist e de vários jornais estrangeiros importantes por conta das queimadas e do risco de perdermos em definitivo a Floresta Amazônica – não para algum inimigo externo, mas para a destruição sem benefício público que se alastra. O principal seria trocar o ministro do Meio Ambiente. Notícias da imprensa dão conta que o chefe da pasta, Ricardo Salles, se defendeu como pôde e conseguiu se manter na posição. Aliás, isso se tornou uma constante: ao longo do ano, vários foram os momentos de pressão para essa troca, e sempre houve um afago do presidente Bolsonaro em relação ao seu ministro.

Ainda assim, ficou claro que uma agenda para além do ministro Salles começaria a tomar forma. O banqueiro central brasileiro, Roberto Campos Neto, fez declarações importantes depois de Davos, como não ser mais possível controlar a inflação sem considerar riscos climáticos. As safras agrícolas estão sujeitas ao novo clima, mais quente e instável. É preciso usar os instrumentos monetários para garantir estabilidade financeira, disse ele em live com representantes de bancos.

O insucesso no controle do desmatamento e a falta de uma agenda política à altura do problema já começaram a prejudicar o comércio do Brasil com o exterior

Veio a pandemia e, com ela, o mundo passou a discutir a resposta à crise, a corrida por uma vacina e a retomada econômica. Dos Estados Unidos à China, esse último ponto envolveu um padrão: usar os estímulos pós-Covid-19 para dar um choque positivo nas combalidas economias e evitar novas crises sistêmicas, especificamente a da mudança do clima. A Europa adotou um “New Deal Verde”, a Alemanha resolveu que não daria mais um centavo para fabricação de veículos a combustão, e outros muitos exemplos mostram como essa transição de base energética se acelerou no período.

No Brasil, essa conversa começou a esquentar com a entrada em campo de um time de ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central (BC). De Pedro Malan a Ilan Goldfajn, passando até mesmo por Zélia Cardoso, em julho, eles colocaram na mesa um manifesto pela convergência em torno de uma proposta de integração da agenda “verde” à gestão da política econômica brasileira, por ocasião da pandemia, mas também em definitivo e mirando o futuro.

Na sequência, o BC lançou uma agenda de sustentabilidade. Em linha com o que outros bancos centrais estão anunciando mundo afora, o BC sinalizou que tornará mandatório, a partir de 2022, que instituições financeiras passem a divulgar informações sobre risco climático e implementar procedimentos em conformidade com as recomendações da Força-tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas às Mudanças Climáticas (TCFD, em inglês), instituída pelo Financial Stability Board.

Além do BC, foram feitas algumas movimentações pontuais e descoordenadas por parte do BNDES e do Ministério da Infraestrutura, em torno da emissão de títulos verdes. O Ministério da Agricultura também se organizou para renovar o bilionário Plano de Agricultura de Baixo Carbono para os próximos dez anos, com início em 2021.

Porém, o Brasil não chegou a construir uma agenda de atração de investimentos verdes. Não houve alinhamento dos estímulos aprovados por meio de projetos de lei e medidas provisórias a essa nova realidade econômica de baixo carbono. Na prática, o Brasil já tinha aberto mão de receber recursos que costumava ter na área ambiental. Cerca de R$ 2,9 bilhões ficaram retidos em uma conta gerida pelo BNDES por causa de uma decisão unilateral do Ministério do Meio Ambiente de não recriar colegiados do Fundo Amazônia.

Em paralelo, investidores estrangeiros bateram à porta do vice-presidente, general Hamilton Mourão, buscando respostas sobre a alta nas taxas de desmatamento na Amazônia. Representantes de 29 grandes fundos internacionais, responsáveis por cerca de R$ 20 trilhões em ativos, expuseram em reunião com o vice-presidente que o risco financeiro imposto pelo desmatamento cria incerteza sobre as condições para investir no país.

Para competir por recursos e por mercados com outros países, o Brasil precisa dar a devida atenção e realizar efetiva ação no tema ambiental

Na sequência, cerca de 40 CEOs das maiores empresas brasileiras se reuniram com Mourão, com pleitos similares: o insucesso no controle do desmatamento e a falta de uma agenda política à altura do problema já começaram a prejudicar o comércio do Brasil com o exterior. Exportadores do agronegócio e da indústria se posicionaram em favor da repressão de crimes ambientais e do apoio do governo à rastreabilidade das cadeias produtivas.

Notável que o interlocutor buscado tenha sido o vice-presidente Mourão ou mesmo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e não o titular da pasta. Os grupos de investidores e empresários citaram, segundo matérias da imprensa, que as declarações do ministro Salles seriam motivo de preocupação. Em particular, os ruídos advindos da gravação da reunião ministerial do dia 22 de abril, quando Salles sugeriu ao presidente Jair Bolsonaro que, com a atenção da imprensa voltada ao novo coronavírus, o momento seria propício para passar reformas sem força de lei, despercebidamente.

Em particular, investidores e empresários se mostraram preocupados com o atraso da ratificação do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, em virtude dos ruídos e das incertezas em torno da capacidade de o Brasil cumprir com a cláusula ambiental.

O segmento produtivo está atento à percepção de que o descompromisso das autoridades brasileiras se torne uma marca negativa permanente associada aos produtos brasileiros. Por isso, grandes frigoríficos também buscaram se posicionar. A Marfrig se colocou à frente do mercado, assumindo compromissos climáticos em linha com a ciência. E a JBS adotou um programa de apoio à rastreabilidade de fornecedores diretos e indiretos.

De olho no impacto negativo sobre o comércio, para o qual dá suporte via operações de crédito  e outros, os bancos também reagiram. Os três maiores bancos privados do país – Itaú, Santander e Bradesco – se uniram em torno de uma agenda de crédito condicionado ao bom desempenho ambiental na Amazônia.

Justo numa crise aguda como a da Covid-19, não poderia ser mais claro o recado: para competir por recursos e por mercados com outros países, o Brasil precisa dar a devida atenção e realizar efetiva ação no tema ambiental.

Com ou sem troca de ministro na pasta ambiental, o horizonte que se avizinha nesta seara é muito negativo para o Brasil

Mourão se alistou para ser a figura do diálogo entre o mundo político e econômico. Porém, seus esforços deram com os burros n’água: sem o necessário apoio político do presidente e do ministro do Meio Ambiente, o envio de militares à Amazônia não teve sucesso. Em novembro, dados do governo confirmaram um aumento no desmatamento em relação ao ano anterior, ao maior nível nos últimos 12 anos, a despeito do aumento dos esforços em campo. Ou seja, não bastou vontade de um segmento isolado no governo. Resultados, se vierem, dependerão de investimento de capital político para resolver o problema.

Os problemas ambientais tampouco podem ser resolvidos exclusivamente pelos economistas, nem pelos bancos ou pelos empresários. Por se tratarem de bens públicos, exigem algum nível de coordenação estatal. Mais do que isso, precisam ser menos atrapalhados pela descoordenação no Estado para não aumentarem de tamanho e nem contaminarem outras agendas, como a do comércio.

Nesse sentido, para 2021, espero que os entes privados consolidem seus esforços em torno desta agenda e que os economistas sigam discutindo-a como assunto de gente grande. Mas, principalmente, aguardo ansiosamente que um conjunto sólido de políticas públicas seja executado com a dose necessária de estímulo à confiança do setor privado. Com ou sem troca de ministro na pasta ambiental, o horizonte que se avizinha nesta seara é muito negativo para o Brasil. Não há como nem por que o governo seguir reagindo à agenda, como se fosse um assunto não econômico. É preciso união em torno de políticas fiscais e monetárias alinhadas a uma retomada verde, e o definitivo controle do desmatamento.

Natalie Unterstell, mestre em Políticas Públicas pela Universidade de Harvard, é coordenadora e idealizadora da Política por Inteiro, dedica-se a desenhar, implementar e avaliar políticas de desenvolvimento sustentável com atenção ao longo prazo, e foi uma das cinco primeiras líderes ambientais selecionadas como Louis M. Bacon Environmental Leadership Fellowship.

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