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Em nossa volta, sinais da primavera: folhas sendo lançadas, flores e pássaros cantando mais forte. Em estado líder nos produtos da terra, ruralistas e assentados se igualam perante a natureza e os riscos da agricultura: plantar cedo ou tarde? A meteorologia apresenta dados estatísticos novos a cada ano solar, atrapalhando as atividades que dela dependem. As "mudanças climáticas" vieram para ficar e dificultam decisões, castigando pesadamente quem esteja em seu caminho, como demonstrado pelos tornados do sudoeste.

Nesta nova estação, reparem no avanço territorial da pequena Zenaida auriculata, vulgo rolinha, que veio do nordeste, pássaro dos espaços abertos da bordadura das matas que voa longe para buscar alimento. Nos fragmentos florestados, a franja fica infestada com o bichinho que ali busca abrigo, interferindo na vida de outras aves. De dia, sai para comer e encontra fartura de grãos, na lavoura, nos silos, nas estradas. O excesso de comida e a ausência de predadores trouxeram adaptações. Ela não se reproduz apenas na primavera e agora procria sem parar. A população se multiplica desordenadamente e entrou em sintonia com o ambiente alterado pelo homem.

As cidades, suas praças e a arborização urbana, viraram "oásis" abrigados. Londrina (como outras cidades do Paraná, de São Paulo e de Minas) virou uma cidade dormitório de rolinhas. Assim, uma questão de ecologia urbana se apresenta. As fezes se amontoam em lugares também frequentados por pombos comuns. Nas águas da limpeza, a presença de vetores de zoonoses que se espalham pela drenagem. O problema cresce e são registrados quatro casos de óbito por criptococose no primeiro semestre de 2009. A estrutura pública apresenta plano de combate ao problema, em estudo pelo Ibama.

Medidas como matar rolinhas e fazer controle biológico dos pombos apontam necessariamente para uma reflexão sobre a causa do desequilíbrio, relacionada ao total desmatamento regional.

Longe dali, na Região Centro-Sul, o Vale do Iguaçu apresenta uma questão importante: nosso principal rio, o segundo mais poluído do país, na barragem de Foz do Areia, apresenta eutrofização, estando tomado por algas tóxicas que inviabilizam o uso do reservatório para banho, pesca ou para saciar a sede dos animais de criação. O diagnóstico e o prognóstico técnico mostram problemas até mesmo para a geração futura de energia. Causas? Os níveis de potássio e nitrogênio nas águas que fluem para a represa, associado às características do lago que promove renovação completa das águas em mais de 100 longos dias e ainda associadas à sua profundidade. Considerando a luz e o calor solar que se intensificam, o problema ganha tempero e uma pergunta: de onde vêm estes elementos químicos? A origem é difusa e está associada à ausência de saneamento e práticas agropecuárias incorretas. Ainda não estão pensadas medidas de curto, médio ou longo prazo para enfrentar a questão de nosso principal rio.

As mudanças climáticas e os tornados têm relação com o desmatamento e este, com as rolinhas que hoje infestam muitas cidades do norte e oeste. A agropecuária intensiva influi diretamente na qualidade da água e a produção resultante se destina às grandes concentrações urbanas, que por sua vez lançam contaminantes orgânicos e químicos no ar e nos rios. Os ciclos de construção contínua de passivos ambientais aumentam e paradoxalmente vozes se levantam na defesa de mudanças para flexibilizar a legislação ambiental.

Numa primavera onde chovem dejetos de pombos todo dia no Bosque Central em Londrina, onde meninos não podem nadar e tomar água em Foz do Areia (pois se o fizerem podem até morrer intoxicados) e onde tornados fazem vacas voar e povoam pesadelos no sudoeste, me pergunto se essas evidências ainda não são suficientes para nos conscientizarmos de que é hora de parar para pensar e tomar atitudes mais objetivas e óbvias em busca de equilíbrio ambiental.

Precisamos defender o Código Florestal. Ele é moderno e deveria se chamar Código da Vida ou da Biodiversidade. Afinal, é a multiplicidade de vida na biosfera que nos protegerá dos novos ví­­rus e bactérias. Vamos nos unir para conquistar um Zoneamento Econômico Ecológico que or­­dene a vida comunitária sustentável sobre o território do Paraná. Vamos parar de vez com o desmatamento clandestino e virar a página do extrativismo primário. É preciso apoiar e estruturar um órgão ambiental estadual compatível com nosso momento, complexidade e aspirações. Vamos cuidar melhor de nossos parques e nos concentrar para conseguir montar uma agenda de saneamento ambiental compatível com nossa capacidade intelectual, econômica e de desejo de qualidade de vida.

O Brasil e o Paraná vivem um bom momento sócio-econômico e temos boas perspectivas para o futuro. As forças políticas precisam se dar conta da importância da questão ambiental e – de verdade – inseri-la na agenda. Quando isso acontecer, teremos um novo tipo de primavera.

José Álvaro Carneiro é fundador da SOS Mata Atlântica, foi membro do Conama e é superintendente estadual do Ibama

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