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A esfinge, importante tema mitológico nas antigas civilizações do Egito e Mesopotâmia, possuía cabeça de mulher, corpo de leão e asas de águia. Indefinida, portanto. Conta uma lenda grega que essa figura monstruosa, enviada por Hera, invadiu Tebas destruindo os campos e afugentando moradores. A criatura, então, propôs a se retirar do local se alguém conseguisse decifrar seu enigma, porém aquele que não o fizesse seria devorado – decifra-me ou devoro-te!

Seu enigma era: "Que animal caminha com quatro pés pela manhã, dois ao meio dia e três à tarde e é mais fraco quando tem mais pernas?". Édipo, filho do rei de Tebas, solucionou o mistério, respondendo: "O homem, pois ele engatinha quando pequeno, anda com as duas pernas quando é adulto e usa bengala na velhice". Ao ver seu enigma solucionado, a Esfinge suicidou-se e Tebas libertou-se.

Que semelhanças identificamos entre o abstrato ser chamado Mercado e o mito da Esfinge? Como deciframos a conduta do mercado e suas variáveis, tornando-o metaforicamente "nervoso", "preocupado", como se fora um ser de alma? A quem compete decifrá-lo? Seriam os doutos economistas no rastro keynesiano, ou de vertentes ideológicas as mais diversas? As grandes corporações? O Estado mais ou menos regulador?

O Mercado, assim como a esfinge, é indefinido. Na sua composição podemos dizer que o mercado financeiro – a cabeça – é voraz quando estabelece que as instituições mais fortes tendem a devorar as mais fracas através das fusões e aquisições, mas ao mesmo tempo apresentam fraquezas como alavancagem muito mais alta do que prevê o Acordo da Basiléia; que o crédito necessário para a propulsão do vôo econômico – as asas – apresenta fortes restrições nas crises por medo dos calotes, o que acaba dificultando a irrigação do canal de financiamento ao consumo; que as instituições – o corpo – são tão grandes e fortes que dispensam a adoção de regras claras e protetoras, sinal de que há pouca regulamentação no setor.

Com efeito, as turbulências vividas na economia mundial no final de 2008 e início deste ano, equivocadamente comparadas com as ocasionadas pela crise de 1929, colocaram em xeque o papel do mercado e, consequentemente, sua capacidade de influenciar nas expectativas dos agentes econômicos. Na maioria das vezes em que o mercado fica "nervoso", os agentes reconhecem sua fragilidade e convocam o governo para "acalmá-lo" (leia-se: sugerem a adoção de política fiscal expansionista e aumento da liquidez). Ou seja, se antes o governo era desprezado por sua ineficiência, agora ele é visto como o salvador da pátria ao liberar recursos no mercado.

Por outro lado, se a força do mercado é tão grande como se tem alardeado, por que não usá-lo de maneira pró-ativa com o objetivo de evitar as grandes catástrofes econômicas ou pelo menos minimizá-la? Pelo menos em relação ao mercado de bens e serviços pode-se dizer que houve uma evolução devido à expansão da oferta, o que ajudou as economias, principalmente as emergentes, a superar o período inflacionário das décadas de 80 e 90 do século passado. No entanto, se a solução para a questão do financiamento dessa produção não se der no sentido da expansão equilibrada de ambos os mercados, observaremos por muito tempo momentos de euforia sucedidos por momentos de depressão.

A resposta do enigma do mercado, assim como o da esfinge, está no Homem. Se o ser humano decifrar o porquê de sua voracidade, as razões de sua avidez, a causas de sua compulsão, quem sabe o mercado não se "estresse" tanto, e ele não seja socorrido somente por ciências exatas e reguladoras. Utopia? Talvez. Mas que a esfinge mercadológica não ficaria tão monstruosa, não ficaria. Afinal, se ainda não estamos na fase da bengala, por que não andarmos com nossas próprias pernas?

Manoel Knopfholz é advogado e diretor-geral da Estação Business School.

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